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Europeístas ilustres: Winston Churchill

Segunda-feira, 14.04.08

É impossível estudar-se o relançamento da ideia de Europa no segundo pós-guerra do século XX sem referir de uma forma particular a acção de Winston CHURCHILL que, nomeado primeiro–ministro inglês a 10 de Maio de 1940, foi o estadista em cujas mãos os súbditos de JORGE VI entregaram os destinos da Nação, ainda Imperial, e a quem confiaram a condução da então ainda grande potência britânica durante os longos e difíceis anos que durou a segunda guerra mundial. Nascido a 30 de Novembro de 1874 no Palácio de Blenheim, a vida e o percurso político de Winston Leonard Spencer CHURCHILL traduzem, desde cedo, a sua entrega e devoção aos negócios públicos do Estado e mesmo internacionais. Correspondente valoroso do jornal londrino Morning Post, para quem fez a cobertura em 1899 da Guerra dos Boêres (África do Sul), logo em 1900 é eleito pelo Partido Conservador pelo distrito de Oldham membro do Parlamento. Quatro anos mais tarde (em Maio de 1904) acabará por ingressar no Partido Liberal para, logo em 1905, ser nomeado subsecretário de Estado para as Colónias, cargo que desempenhou até 1908, altura em que é nomeado Ministro do Comércio. Sucessivamente nomeado Ministro do Interior (1910) e Primeiro Lorde do Almirantado (espécie de Ministro da Marinha) em 1911, demitir–se–á deste cargo em 1915. O seu lugar no Parlamento viria a ser perdido em 1922 para, dois anos mais tarde (1924) reingressar no Partido Conservador, reocupar o seu assento parlamentar e ser nomeado Ministro das Finanças. Entre 1932 e 1938 foram várias as intervenções que fez alertando os seus colegas de governo, o povo inglês e o Mundo de uma maneira geral para o perigo que já então representava HITLER e a sua política de rearmamento alemão. Com o iniciar do conflito mundial em 3 de Setembro de 1939 a Grã–Bretanha declara guerra à Alemanha: desrespeitando o acordado na Conferência de Munique, em que a França, a Itália e o Reino Unido concordaram em conceder à Alemanha apenas uma parcela do território checoslovaco — a região dos Sudetos — em Março de 1939 as tropas alemãs ocuparam o resto da Checoslováquia, começando a exigir concessões territoriais da Polónia com vista a recuperar regiões que haviam pertencido à Alemanha até 1919. CHAMBERLAIN, o Primeiro–Ministro inglês, apercebendo–se, finalmente, das intenções expansionistas de HITLER, assina uma aliança formal com a Polónia. Caso a Polónia fosse invadida os britânicos declarariam guerra à Alemanha. Foi o que se verificou a 1 de Setembro de 1939. Tendo a garantia de que a URSS não interviria no conflito (de facto a 23 de Agosto a Alemanha hitleriana e a URSS estalinista haviam assinado um pacto de não–agressão segundo o qual a URSS se manteria neutra face a um eventual avanço alemão sobre a Polónia, partilhando ambas o território polaco entre si) tropas e tanques alemães entram na Polónia. Nesse momento o governo inglês declara guerra à Alemanha e torna–se necessário formar um gabinete de guerra. CHURCHILL voltará a sobraçar a importante pasta da Marinha para, oito meses mais tarde (10 de Maio de 1940) ascender ao cargo de Primeiro–Ministro. Como líder de uma das principais potências mundiais envolvidas no conflito estará presente em todos os grandes momentos que a guerra conheceu. Ganhando a guerra, viria, contudo, a perder as eleições gerais de 26 de Julho de 1945, renunciando ao cargo de Primeiro–Ministro. Em 26 de Outubro de 1951, com nova vitória eleitoral do Partido Conservador, recuperou o cargo de Primeiro–Ministro demitindo–se do mesmo, definitivamente, a 5 de Abril de 1955. Morreria com 90 anos, em 24 de Janeiro de 1965, extinguindo–se uma vida inteira dedicada à defesa dos interesses do seu País, nos mais diferentes domínios, inclusive no domínio linguístico — o que lhe valeu a atribuição em Outubro de 1953 do Prémio Nobel da Literatura. Ora, foi ainda no decurso da segunda guerra mundial que Winston CHURCHILL, receptivo a uma sugestão de Jean MONNET, teve oportunidade de demonstrar o seu apego aos ideais europeístas, protagonizando o primeiro projecto de União Franco–Britânica datado de 16 de Junho de 1940. Nesse projecto escrevia-se que «os dois governos declaram que a França e a Grã–Bretanha não serão mais. a partir de agora, duas Nações mas uma União Franco–Britânica. A União instituirá organismos comuns para a defesa, para a política externa, para as finanças e a economia. Todos os cidadãos franceses disporão imediatamente da qualidade de cidadãos da Grã–Bretanha e todos os cidadãos britânicos tornar–se–ão cidadãos franceses. Os dois países partilharão a responsabilidade no domínio dos encargos de guerra onde quer que eles se produzam nos seus territórios e os respectivos recursos, colocados em comum, serão igualmente utilizados com a mesma finalidade. Durante a guerra existirá um único gabinete de guerra e todas as forças, terrestres, aéreas e marítimas da Grã–Bretanha e da França serão colocadas sob a sua direcção. O gabinete localizar–se–á onde lhe parecer mais apropriado. Os dois Parlamentos serão formalmente associados» [GERBET, 1994: 42]. Imediatamente retirado pelo governo inglês na Primavera de 1945, após a libertação da França, este projecto nunca terá sido levado muito a sério por CHURCHILL — nem por de GAULLE — antes se compreendendo como uma derradeira e extrema tentativa britânica para evitar que o governo francês assinasse um armistício separado com a Alemanha [GERBET, 1994: 42]. Ainda durante o conflito, em Outubro de 1942, aproveitando uma reunião do seu Gabinete de Guerra, CHURCHILL dava outro contributo para a causa europeia, afirmando expressamente que «por muito distante que possa parecer hoje em dia tal objectivo, tenho a firme esperança que a família europeia aja um dia em estreita união no seio de um Conselho da Europa. Espero e desejo a criação dos Estados Unidos da Europa onde seja possível viajar sem entrave. Espero ver a economia da Europa estudada como um todo. Espero ver um Conselho agrupando talvez dez nações entre as quais as antigas grandes potências». Passado o período bélico, derrotado nas eleições gerais inglesas, não teve CHURCHILL responsabilidades governamentais directas na condução do seu país no período imediatamente subsequente ao termo do conflito. Estava, pois, colocado numa posição particularmente favorável para observar a situação da Europa no pós–guerra. Profundo conhecedor da realidade inglesa, crítico atento da socialização da economia introduzida pelo governo trabalhista de ATTLEE, observador perspicaz da situação europeia, CHURCHILL era confrontado com uma Europa que, num curto período de tempo, havia servido por duas vezes de imenso campo de batalha — em 1940 quando da conquista alemã e em 1942–1945 depois dos desembarques aliados em Itália e em França — daí o seu empenhamento e o seu envolvimento, pela palavra e pela acção, no processo que, iniciando–se no pós–guerra, conduziria ao aprofundamento da integração europeia sempre no respeito por um princípio que tendia a colocar a Grã–Bretanha fora de qualquer enquadramento institucional preconizado para o Velho Continente. A primeira grande intervenção pública de CHURCHILL em favor da causa europeia ocorreu, curiosamente, nos Estados Unidos — e teve Fulton, no Missouri, por palco. Aí o líder britânico, afastado circunstancialmente do exercício do poder no seu país, pela primeira vez alertou o mundo para os perigos do comunismo em expansão e em movimento avisando que do Báltico ao Adriático, de Stettin a Trieste, uma cortina de ferro abate–se sobre o continente europeu. Geralmente pouco conhecido, secundarizado ante as palavras que proferiu em Zurique, o Discurso de Fulton, pronunciado a 5 de Março de 1946 no Westminster College de Fulton, Missuri, ante uma pequena plateia onde se encontrava o Presidente dos Estados Unidos Harry TRUMAN, contém uma primeira enunciação de alguns dos principais tópicos que CHURCHILL não se cansaria de repetir nos anos subsequentes. Merece a pena, pois, atentar nos principais excertos da referida intervenção:

«Eu tenho, porém, uma proposta prática a apresentar. Os tribunais e os magistrados podem existir mas não podem funcionar sem xerifes e sem polícias. A Organização das Nações Unidas tem de começar a ser equipada imediatamente com um exército internacional [...]. Uma sombra abateu–se sobre os cenários que, ainda há pouco, a vitória dos Aliados iluminava. Ninguém sabe o que é que a Rússia Soviética e a sua Internacional Comunista pretendem fazer no futuro imediato, ou quais os limites — se é que existem limites — às suas tendências expansionistas e partidárias. Tenho uma forte admiração e respeito pela bravura do povo russo e pelo meu camarada de guerra, o Marechal ESTALINE. Existe uma profunda simpatia e uma grande boa–vontade na Grã–Bretanha [...] para com os povos de todas as Rússias [...]. Nós compreendemos que a Rússia precisa de se sentir protegida nas suas fronteiras ocidentais, para afastar qualquer possibili¬dade de agressão alemã. Damos as boas–vindas à Rússia no seu legítimo lugar entre as principais nações do Mundo [...]. É meu dever, contudo, — pois tenho a certeza de que desejam que eu vos relate os factos tal como os vejo — colocar–vos perante determinados factos sobre a actual situação na Europa. Desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Por trás dessa linha ficam todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e de Leste. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia, todas estas famosas cidades e as populações que vivem à sua volta caíram naquilo a que chamo de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não só à influência soviética como a enormes e, em muitos casos, crescentes medidas de controlo por parte de Moscovo. [...] Os partidos comunistas, que eram muito pequenos em todos estes Estados da Europa de Leste, foram conduzidos à proeminência e ao poder, muito para além da sua importância numérica, e tentam por toda a parte obter um controlo totalitário [...]. A segurança mundial requer uma nova unidade na Europa, da qual nenhuma nação deverá ser permanentemente proscrita [...]. Por duas vezes, no espaço das nossas vidas, vimos os Estados Unidos — contra a sua vontade e tradições, contra argumentos cuja força é impossível não compreender, arrastados por forças irresistíveis — entrarem nestas guerras a tempo de assegurar a vitória da boa causa, mas apenas depois de ter ocorrido uma terrível carnificina e devastação, [...] Mas agora a guerra pode ir ao encontro de qualquer nação, seja onde for que se situe, entre o crepúsculo e a alvorada. Claro que devemos trabalhar conscienciosamente para uma grande pacificação da Europa, dentro da estrutura das Nações Unidas e de acordo com a sua Carta. Sinto que isto é uma causa política de enorme importância. [...]. Por outro lado, recuso a ideia de que uma nova guerra é inevitável; e, ainda mais, de que está iminente. É por ter a certeza que ainda temos o nosso destino nas nossas próprias mãos e o poder suficiente para salvar o futuro, que sinto que tenho o dever de falar agora, que tenho ocasião e oportunidade para o fazer. Não acredito que Rússia soviética deseje a guerra. O que eles pretendem são os frutos da guerra e a expansão indefinida do seu poder e doutrinas. Mas o que temos de considerar aqui e agora, enquanto ainda é tempo, é a prevenção permanente da guerra e o estabelecimento das condições de liberdade e democracia, tão depressa quanto possível, em todos os países. As nossas dificuldades e perigos não serão ultrapassados fechando os olhos. Não serão ultrapassados se nos limitarmos a esperar para ver o que acontece; nem serão ultrapassados através de uma política de apaziguamento. O que precisamos é de um acordo — e quanto mais demorar, mais difícil será e maiores serão os perigos. Daquilo que observei dos nossos amigos e aliados russos durante a guerra, estou convencido de que não há nada que eles mais admirem do que a força, e não há nada por que eles tenham menos respeito do que pela fraqueza, especialmente a fraqueza militar. É por isso que a velha doutrina do equilíbrio de poderes é pouco convincente. Não nos podemos dar ao luxo de trabalhar com margens estreitas, oferecendo a tentação de uma prova de força. Se as democracias ocidentais se mantiverem unidas em estrita aderência aos princípios da Carta das Nações Unidas, a sua capacidade para promover esses princípios será imensa e não é provável que alguém se atreva a pô–los em causa [...].»

O momento alto de um tal protagonismo do estadista britânico, porém, ocorrerá quando, em 19 de Setembro de 1946, em Zurique, naquele que haveria de ficar registado como o discurso de Zurique, CHURCHILL chama a atenção dos Estados europeus para a necessidade de se unirem, criando uma estrutura regional que eventualmente se poderia chamar Estados Unidos da Europa. O Discurso de Zurique proferido por Winston CHURCHILL constitui um verdadeiro hino à causa da Europa. Merece a pena conhecer em pormenor e na íntegra esta verdadeira peça literária que não pode ser esquecida ou ignorada em qualquer texto ou estudo onde a causa europeia constitua objecto central :

«Desejo falar–vos, hoje, sobre a tragédia da Europa. Este nobre continente, englobando no seu todo as mais agradáveis e civilizadas regiões da Terra, gozando de um clima temperado e equilibrado, é a terra natal de todas as raças originais do mundo ocidental. É a fonte da fé cristã e da ética cristã. É a origem da maior parte da cultura, das artes, da filosofia e da ciência tanto dos antigos como dos modernos tempos. Se a Europa tivesse alguma vez ficado unida na partilha do seu património comum, não haveria limite à felicidade, à prosperidade e à glória dos seus trezentos ou quatrocentos milhões de habitantes. Mas foi da Europa que jorrou essa série de assustadoras quezílias nacionalistas, originadas pelas nações teutónicas, a que nós assistimos ainda neste século XX e no nosso tempo, arruinando a paz e frustrando as expectativas de toda a humanidade. E a que situação foi a Europa reduzida? Alguns dos mais pequenos Estados fizeram, na realidade, uma boa recuperação, mas, sobre largas áreas, uma vasta e agitada massa de atormentados, famintos, ansiosos e desnorteados seres humanos olham pasmados, das ruínas de suas cidades e de seus lares, esquadrinhando os negros horizontes por algum novo perigo, tirania ou terror. Por entre os vencedores há uma babel de vozes dissonantes; por entre os vencidos o mal humorado silêncio do desespero. É tudo o que Europeus, agrupados em tantos antigos Estados e nações, é tudo o que os Poderes Germânicos obtiveram rasgando–se uns aos outros, espalhando destruição em todo o redor. De facto, mas também por que a grande República de além Atlântico compreendeu, à distância, que a ruína ou escravização da Europa envolveria também a sua própria sorte e estendeu o seu auxílio e orientação, os Tempos Negros recolheram toda a sua crueldade e miséria. Que poderão ainda voltar. Mas, ainda é tempo para um remédio que, se genérica e espontaneamente adoptado, poderá, como por milagre, transformar todo o cenário, podendo em poucos anos fazer toda a Europa, ou grande parte dela, tão livre e feliz como a Suíça o é nos dias de hoje. Qual é este milagre soberano? É a recriação da Família Europeia, ou o mais possível que dela pudermos, provendo–a de uma estrutura sob a qual possa viver em paz, em segurança e em liberdade. Deveremos construir uma espécie de Estados Unidos da Europa. Só neste caminho poderão centenas de milhões de trabalhadores reencontrar as simples alegrias e esperanças que fazem com que valha a pena viver a vida. O processo é simples. Basta a decisão de centenas de milhões de homens e de mulheres de proceder bem em vez de mal, ganhando como recompensa bênçãos em vez de maldições. Muito trabalho neste sentido tem sido feito pelo empenho da União Paneuropeia que muito deve ao Conde Coudenhove–KALERGI e que recrutou os serviços do famoso patriota e homem de Estado francês, Aristide BRIAND. Há também esse enorme corpo de doutrina e de procedimentos que foi criado no meio de grandes esperanças depois da primeira guerra mundial: a Sociedade das Nações. A Sociedade das Nações não falhou pelos seus princípios ou concepções. Ela falhou por estes princípios terem sido abandonados por aqueles Estados que lhe deram vida. Falhou por causa dos governos desses dias recearem enfrentar os factos agindo enquanto havia tempo. Esse desastre não pode repetir–se. Há por isso muito conhecimento e material para utilizar: e também amargas e caras experiências. Fiquei muito satisfeito ao ler nos jornais, há dois dias, que o meu amigo Presidente TRUMAN expressou o seu interesse e acordo a este grande desígnio. Não há razão para que uma organização regional da Europa conflitua de qualquer modo com a organização das Nações Unidas. Pelo contrário. Eu acredito que a maior síntese só sobreviverá se construída sobre grupos naturais coerentes. Já existe um grupo natural no Hemisfério Ocidental. Nós, Britânicos, temos a nossa Comunidade de Nações. Estas não enfraquecem, pelo contrário reforçam, a organização mundial. São, na prática, o seu principal suporte. E por que não haver um agrupamento europeu que possa dar um sentido de alargado patriotismo e de comum cidadania aos povos desatentos deste turbulento e poderoso continente, e por que não toma ele o sua posição de pleno direito junto a outros grandes grupos na formação dos destinos dos homens? A fim de que tal possa ser realizado tem que haver um acto de fé no qual milhões de famílias, falando muitas línguas, tomem conscientemente parte. Todos nós sabemos que as duas guerras mundiais por que passámos nasceram da presunçosa paixão de uma nova e unida Alemanha destinada a desempenhar o papel dominante do mundo. Nesta sua última luta, crimes e massacres foram cometidos para os quais não houve paralelo desde as invasões mongóis no século catorze e sem igual em qualquer tempo na história humana. A culpa deve ser punida. A Alemanha deve ser desprovida do poder de rearmar–se e fazer outra guerra agressiva. Mas, quando tudo isto tiver sido feito, como será feito, como tem sido feito, haverá um fim para a desforra. Haverá o que o Senhor GLADSTONE, muitos anos atrás, chamou de "abençoado acto de esquecimento". Todos nós temos que voltar as costas aos horrores do passado. Temos que olhar para o futuro. Não podemos arrastar, ao longo dos anos vindouros, os ódios e as vinganças que brotaram das injúrias do passado. Se a Europa deve ser salva de uma profunda miséria e, na realidade, de um julgamento final, tem que haver um acto de fé na família europeia e um acto de esquecimento para todos os crimes e loucuras do passado. Podem os povos da Europa erguer–se por cima destas decisões da alma e instintos do espírito do homem? Se puderem, os erros e injúrias que foram infligidas terão sido varridas em todas as partes pelas misérias que foram suportadas. Haverá mais alguma necessidade de novas enchurradas de agonia? Será a única lição da história a de que a humanidade não aprende? Haja justiça, perdão e liberdade. Os povos têm apenas que o querer, e todos alcançarão o desejo dos seus corações. Vou, agora, dizer–vos algo que vos admirará. O primeiro passo na recriação da família europeia deve ser uma parceria entre a França e a Alemanha. Só desta maneira pode a França recuperar a liderança moral da Europa. Não pode haver um ressurgimento da Europa sem uma grande França espiritual e sem uma grande Alemanha espiritual. A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se bem e verdadeiramente construída, será a necessária à força material de um só Estado menos importante. As pequenas nações contarão tanto como as grandes e honrar–se–ão pela sua contribuição para a causa comum. Os estados e regiões da Alemanha, livremente reunidos por mútua conveniência num sistema federal, poderão tomar, cada um, o seu lugar individual dentro dos Estados Unidos da Europa. Eu não tentarei realizar um programa pormenorizado para centenas de milhões de pessoas que querem ser felizes e livres, prósperas e seguras, que querem gozar as quatro liberdades de que o grande Presidente ROOSEVELT falou, e viver conforme os princípios que dão corpo à Carta Atlântica. Se isto é o seu desejo, têm apenas que o dizer, e certamente que os meios podem ser encontrados, a máquina estruturada, para tal realizar em plena fruição. Mas devo fazer um aviso. O tempo pode ser escasso. Actualmente há um tempo para respirar fundo. Os canhões pararam de disparar. A luta parou; mas os perigos não pararam. Se formarmos os Estados Unidos da Europa, ou com qualquer outro nome ou forma que seja, temos que começar já. Nestes dias de hoje vivemos, estranha e precariamente, sob o escudo e protecção da bomba atómica. A bomba atómica está ainda nas mãos de um Estado e nação que nós sabemos não a usar excepto pela causa do direito e da liberdade. Mas pode acontecer que, dentro de poucos anos, este terrível agente de destruição esteja disperso e a catástrofe sequente ao seu uso, por várias nações rivais, levará não só ao fim de tudo aquilo a que nós chamamos de civilização como, possivelmente, à desintegração do próprio globo. Devo, agora, repetir as propostas que estão perante vós. O nosso constante objectivo deve ser a construção e o fortalecimento da Organização das Nações Unidas. Sob e dentro desse conceito mundial devemos recriar a família europeia numa estrutura regional chamada, por exemplo, de Estados Unidos da Europa. O primeiro passo será a formação de um Conselho da Europa. Se, numa fase inicial, nem todos os Estados da Europa quiserem ou poderem juntar–se à União, devemos, contudo, proceder à junção e combinação daqueles que o querem e daqueles que o podem fazer. A salvação das pessoas comuns, de todas as raças e de todas as terras, da guerra e da servidão deve ser estabelecida em bases sólidas e preservada pela disposição de todos os homens e mulheres de antes morrerem do que submeterem–se à tirania. Neste urgente trabalho a França e a Alemanha devem assumir, conjuntamente, o comando. A Grã–Bretanha, a Comunidade Britânica de Nações, a poderosa América, e, confio eu, a Rússia Soviética — para que, então, de facto, tudo possa estar bem — devem ser os amigos e os patrocinadores da nova Europa e devem defender o seu direito à vida e à luz. Por isso eu vos digo: Deixem a Europa erguer–se!».</span>

Ainda no ano de 1946, continuou CHURCHILL a manifestar a sua crença no ideal europeu. Em 5 de Outubro, em discurso proferido no círculo eleitoral de Blackpool, reitera o seu apelo para a criação dos Estados Unidos da Europa que se deveriam estender do Atlântico até ao Mar Negro [GILBERT, 2002: 633]; e em 26 de Novembro, em carta dirigida ao general de GAULLE, que como ele era agora um cidadão despojado de responsabilidades governativas no seu país, Winston CHURCHILL escreve sobre o seu apoio a uma Europa unida, afirmando que «é minha convicção que se a França tomasse a Alemanha Ocidental pela mão e, com a total cooperação britânica, a unisse ao Ocidente e à civilização europeia, esta seria de facto uma vitória gloriosa que iria corrigir tudo o que tivemos de passar e talvez evitar que tenhamos de passar por muito, de novo» [GILBERT, 2002: 633]. Em 1947, no mês de Dezembro, meses volvidos sobre o Discurso de Zurique, do outro lado da Mancha, Winston CHURCHILL funda o Comité para a Europa Unida, presidido por Duncan SUNDYS, e que pretendia aglutinar e representar os mais importantes dos movimentos até então existentes e que defendiam a intensificação dos esforços em vista do alcance da unidade da Europa — no respeito integral pela autonomia e pelos princípios e programas de cada um dos movimentos. Ora, seria precisamente este Comité que convocaria para reunir em Haia (Holanda), de 7 a 10 de Maio de 1948, o Congresso da Europa cujas conclusões foram o ponto de partida para a constituição do Conselho da Europa — instituição que CHURCHILL bastante prezava e ante a qual ousou preconizar, a 11 de Agosto de 1950, a criação imediata de um exército europeu unificado e submetido a um controle democrático [ZORGBIBE, 1995: 145]. Este Comité acabaria por se transformar em Movimento Europeu aglutinando a generalidade das associações que visou congregar, com excepção da União Parlamentar Europeia de KALERGI que apenas adere ao Movimento Europeu em 1952, transformando–se em Conselho Parlamentar do Movimento. Pelas responsabilidades que deteve na condução política do seu país e pelo esforço que consagrou, em actos e palavras, à causa da unidade europeia, Sir Winston CHURCHILL não poderia deixar de ser englobado no rol dos pais fundadores da Europa.

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publicado por Joao Pedro Dias às 15:31


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