Casa Europa
Anotações (quase) diárias sobre os caminhos da Europa e da União Europeia
774M€
Segunda-feira, 12.04.10
O Eurogrupo – reunião dos Ministros das Finanças dos Estados-Membros da União Europeia que têm o euro como moeda comum – decidiu, finalmente, que em caso de necessidade financeira premente traduzida na impossibilidade de Atenas se financiar nos mercados internacionais a custo razoável, os países da zona euro acorrerão em auxílio da Grécia disponibilizando uma quantia estimada em 30.000 M€ que será remunerada a uma taxa de 5% ao ano. Cada Estado-Membro da zona contribuirá para esse «bolo» comum na proporção da sua subscrição no capital do Banco Central Europeu. De acordo com esse critério indexante, Portugal deverá estar preparado para contribuir para esse montante global com uma verba estimada em cerca de 774M€, isto é, 2,58% do quantitativo globalmente fixado.
No que ao nosso país diz respeito, se as contas não estiverem mal feitas – para um PIB em 2009 de 128,6 MM€ e um défice orçamental de 9,4% desse valor (isto é, 12 MM€) – Portugal dispõe-se a contribuir para auxiliar a Grécia com uma verba (os tais 774 M€) que equivale a 0,6% do nosso PIB e a 6,4% do nosso défice orçamental. Ora, 0,6% do nosso PIB é, praticamente, o valor com que, no quadro das operações de consolidação das contas públicas e do défice orçamental, o governo Português se dispõe a reduzir o défice orçamental ao longo deste ano de 2010 (esse valor, recorde-se, foi fixado no Orçamento de Estado para este ano em 0,8% do PIB). Ou seja, com todas as operações de aperto de cinto preconizadas no célebre PEC e concretizadas no Orçamento de Estado para este ano e em toda a restante legislação que vier a ser aprovada, o governo prevê reduzir o défice orçamental em 0,8% do PIB; com a projectada ou possível ajuda à Grécia, correr-se-á o risco de gastar 0,6% desse mesmo PIB.
Poder-se-á, assim, legitimamente, colocar a questão de saber de onde sairá a verba necessária ao cumprimento da obrigação assumida em sede do Eurogrupo ou, em alternativa, como será financiada tal obrigação. Em nome da mais completa transparência das contas públicas, conviria que o esclarecimento fosse célere e convincente – detalhando completamente os contornos de tal operação.
Operação que, do ponto de vista político, não pode nem deve merecer qualquer reserva ou qualquer crítica. A União Europeia não é um projecto para o qual se entre a benefício de inventário, do qual os Estados-Membros aceitem apenas o que de positivo o mesmo aporta, nomeadamente os recursos financeiros transferidos no âmbito dos diferentes programas comunitários, rejeitando a respectiva contribuição nas alturas em que a mesma se torna exigível. De resto, feitas bem as contas, aquilo que Portugal pode vir a ter de transferir no quadro do plano de apoio à Grécia não será senão uma ínfima parte dos milhares de milhões de euros de que beneficiou ao abrigo da solidariedade europeia nos anos que leva de efectiva pertença (e mesmo antes dela) à Europa da União.
Se, lançada que foi a moeda única, os Estados que a partilham não a defendessem a outrance e a deixassem, bem como a Estados onde ela circula, à completa disposição dos mercados financeiros internacionais e dos especuladores que nos mesmos actuam – isso equivaleria a passar, a prazo muito curto, uma verdadeira certidão de óbito a essa mesma moeda comum europeia. A seguir à Grécia outras economias mais vulneráveis da zona euro seriam atacadas e, qual efeito cascata ou dominó, uma a uma sucumbiriam às mãos dos mercados internacionais sem rosto, implacáveis, cujo único valor que conhecem é o do lucro fácil obtido através da especulação financeira. Nessa medida, se alguma crítica haverá a fazer à decisão comunitária será apenas a de a mesma ter pecado por tardia; nunca a de a mesma ter sido tomada nos termos e no modo em que o foi.
O que não invalida, repete-se, face à dimensão que a participação de Portugal no esforço monetário europeu reveste, não invista as autoridades nacionais no mais estrito dever e na mais elementar obrigação de informar e esclarecer como poderá Portugal cumprir o objectivo a que se obrigou – de 774 M€ – e que consequências tal virá a ter nas contas públicas nacionais, quer no défice orçamental quer no endividamento externo do país.