Casa Europa
Anotações (quase) diárias sobre os caminhos da Europa e da União Europeia
Recebendo o Rotary Clube de Belém-Norte
Tendo liderado, há cerca de um ano, a delegação do Rotary Clube de Aveiro que se deslocou a Belém do Pará (Brasil) para assinar o acto de irmanação ou geminação entre os Clubes rotários de Aveiro e de Belém-Norte, coube-nos desta feita receber em Aveiro uma delegação do Rotary Clube de Belém-Norte. Por incumbência e gentil solicitação do Presidente do Rotary Clube de Aveiro, Companheiro Henrique Mendonça, foi-me pedido que fizesse a intervenção institucional, em nome do nosso Clube, no jantar festivo que assinalou a referida recepção e que decorreu na Sala do Despacho da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro. Para os interessados, aqui fica o registo das palavras proferidas.
I
«O RC Aveiro está hoje em festa. Festa tripla por nela convergirem três dos acontecimentos maiores do ano rotário prestes a findar.
Em primeiro lugar aumentámos o número de Companheiros Paul Harris do nosso Clube. Enquanto Clube mobilizámo-nos e praticámos, de uma assentada, dois assinaláveis actos de justiça: começámos por distinguir com a maior condecoração que nos era possível outorgar, a D. Deolinda Morais, distinta senhora de todos nós conhecida que com a sua habitual simpatia e bondade nos vem acolhendo em sua casa todas as semanas há mais de duas décadas. E que melhor forma poderíamos ter escolhido, em homenagem à nossa distinta galardoada, do que fazê-lo proporcionando à Rotary Foundation mais alguns meios para que continue levando a cabo os seus generosos programas em prol da humanidade, sem levar em consideração cor de pele, credo religioso, opção política – porque sempre e apenas norteada pelo ideal de servir, de fazer bem e de bem fazer, um pouco na senda daquele ditado que o nosso povo tanto repete, que manda fazer o bem sem olhar a quem. Pelo que conheço da nossa homenageada, por natureza tão avessa a excessivas exposições e nada atreita a homenagens públicas, valorará mais o bem que o nosso contributo proporcionará do que a comenda que materialmente simboliza nossa acção.
Em segundo lugar festejamos hoje mais um aniversário do nosso Clube, o quadragésimo sétimo – acontecimento sempre marcante para a vida de qualquer instituição onde, contrariamente ao que sucede com a vida de todos nós, cada ano é sempre celebrado com um júbilo maior do que o anterior porquanto significa que a instituição que constituímos tem mais vitalidade, maior credibilidade, e também acrescidas responsabilidades perante a sociedade em que se insere.
E finalmente temos o prazer e a honra de receber em nosso seio uma ilustre delegação de membros do RC Belém-Norte, nosso Clube amigo, nosso Clube-irmão, parcela de nós próprios plantada nas margens do Amazonas, nas cercanias dessa Amazónia imensa não raro tão mal tratada pelas mãos humanas que tanto lhe devem, na região que no século XVII um dos nossos maiores, o Padre António Vieira,descreveu como um confuso e intrincado de rios e bosques espessos, aqueles – os rios – com infinitas entradas e saídas, e estes – os bosques – sem entrada nem saída.
Todos estes motivos são importantes e mereceriam por si só uma reunião festiva como aquela que celebramos aqui hoje.
Quis o destino proporcionar-nos a dita de os conjugarmos a todos nesta reunião, num dia que tão cedo se não apagará de nossas memórias rotárias.
Permitam-me que, de todos os eventos mencionados, me centre de forma particular no último deles.
II
Há cerca de um ano, na qualidade de Presidente doRC de Aveiro, tive o privilégio de integrar a delegação do nosso Clube que, demandando as terras de Santa Cruz, aproveitou para celebrar os quinhentos anos do achamento do Brasil e para outorgar o Protocolo de geminação entre os Clubes rotários de Aveiro e de Belém-Norte.
Foram dias inesquecíveis e momentos inolvidáveis de sã e fraterna convivência rotariana que permitiram colocar mais uma pequena pedra na frutuosa estrada do emparceiramento e da amizade entre nossas duas cidades, começado há cerca de três décadas, conhecedor de momentos de alguma letargia, mas que em boa hora foi recentemente retomado, redinamizado e de que a nossa convivência aqui hoje mais não é senão a sua mais recente manifestação.
A este facto não posso deixar de acrescentar a felicidade que é para nós podermos contar, entre nossos ilustres visitantes, com um dos cabouqueiros desse processo de geminação entre nossas duas cidades: o nosso CompanheiroEudiracy Silva,ao tempo integrando a equipa do Prefeito de Belém do Pará, Stélio Maroja – e para quem me atrevo a pedir um justíssimo e caloroso aplauso.
Aos Companheiros do nosso Clube que não tiveram o privilégio de nos acompanhar no ano transacto tentámos fazer-lhes um retrato tão fiel quanto possível da lhaneza do trato que nos foi dispensado, da afabilidade e cortesia com que fomos recebidos, da pujança e do espírito rotário que encontrámos em nosso Clube irmão.
Tentativa inglória, porém.
Nem fotografias, por muito abundantes que fossem – como foram; nem filmes – por muito extensos que fossem – como foram – lograram ajudar-nos na missão.
Teriam sido precisas muitas palavras, e sobretudo muita arte e muito engenho, para darmos conta de tudo quanto nos foi proporcionado.
E se as palavras nos não faltariam, reconheçamos com modéstia e humildade, a falta da arte e do engenho para descrever tudo quanto nos foi dado ver e, sobretudo, sentir.
Há coisas que não se podem transmitir – apenas se podem viver!
Hoje esses momentos perpassam por nossa memória, deixando um gostoso travo de nostalgia e de saudade, fazendo radicar um fundo desejo de voltar àquelas terras – não para abusarmos da hospitalidade de quem fidalgamente nos recebeu mas para voltarmos a desfrutar do calor e da amizade que nos foi dispensada.
Para além das belezas naturais de Belém e das terras do Pará, não poderemos esquecer a profunda interligação que sentimos entre o espírito rotário do nosso Clube-irmão, a participação activa de compatriotas nossos nesse mesmo Clube, e sobretudo, o profundo envolvimento de ambos – RC Belém-Norte e portugueses radicados no Pará – em torno de obras sociais e da comunidade que constituem um exemplo para qualquer rotário, uma bênção para qualquer Comunidade e, deixem-me dizer-vos, um orgulho também para nós, que somos Clube-irmão do RC de Belém-Norte e que, com desvelo, vemos nosso irmão brasileiro constituir um exemplo para a comunidade em que se insere.
E permitam-me que vos confesse – orgulho não raro eivado de uma pontinha de inveja, esse vil sentimento do qual não nos podemos nem devemos orgulhar mas ao qual nossa condição humana nem sempre permite que escapemos.
Se dúvidas houvesse sobre o ideal de servir, de serviço à comunidade, de permanente entrega à causa do bem-comum, de homenagem e vivência permanente do legado de Paul Harris, elas se dissipariam atentando no exemplo que é o RC Belém-Norte e a acção concreta dos seus membros.
Não foi o RC Belém-Norte quem já deu a seu Distrito sete Governadores rotários?
Não foi em Belém que viua luzdo dia uma Academia de Estudos Rotarianos?
E quem, com memória, poderá olvidar, depois de a ter apreciado, essa incomparável obra, fruto da comunidade lusa, que, constituída em torno da sua Beneficente Portuguesa, instituiu e mantém, sobretudo ao serviço dos mais carenciados, uma unidade hospitalar como decerto em Portugal não existe fora de dois ou três centros metropolitanos de maior dimensão?
E alguém poderá ficar insensível ao secular Grémio Literário que guarda nos seus arquivos repositório importante e parte preciosa da história da nossa Nação, da nossa secular mãe-pátria comum?
Em Belém do Pará sentimo-nos em casa.
Vivemos parte de nossa história de nação e de povo.
Partilhámos valores, partilhámos crenças, partilhámos preocupações – e tudo falando a mesma língua, dando razão ao poeta que afirmava ser essa a nossa verdadeira pátria.
Pátria comum, pátria única.
Pátria que tão bem ou muito melhor do que nós nossos irmãos brasileiros têm sabido cultivar, têm sabido enriquecer, têm sabido acarinhar e cuidar.
Parece-me, pois, oportuno, neste 9 de Junho de 2001, véspera de mais um «Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas», sugerir que nossos dois Clubes, cada qual nos Distritos rotários dos respectivos países, lancem no imediato uma campanha eventualmente traduzida na assinatura, por rotários de expressão lusófona, de uma petição comum dirigida aos Chefes de Estado e de Governo de Portugal e do Brasil, no sentido de que em próxima Cimeira bilateral entre nossos dois Estados, seja oficialmente instituído um «Dia da Língua Lusófona», comemorado em simultâneo em Portugal, no Brasil, e nos demais Estados da CPLP, aí incluindo o novo Estado de Timor.
Somos a sexta língua mais falada no Mundo e a terceira mais utilizada internacionalmente
Usam-na cerca de 200 milhões de luso-falantes.
Já demos, e continuamos a dar, ao Mundo verdadeiros príncipes das letras, desde o nosso Lusíada-Mor até outros vultos da estatura, por exemplo, do já citado PadreAntónio Vieira,de Garrett, Herculano, Antero, Eça, Pessoa, Saramago, Machado de Assis, Erico Veríssimo, Jorge Amado, Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes,Paulo Coelho,Mia Couto ou Craveirinha.
Nossa língua, nossa pátria, merece nosso empenho na sua defesa e na sua promoção. Consagrar-lhe, em especial, um de entre os 365 dias do ano seria acto de justiça e de merecimento.
III
Mas nosso encontro de hoje pode e deve ser, também, entendido num contexto mais amplo e num quadro mais vasto.
Brasile Portugal, cada qual a seu modo, encontram-se vivendo encruzilhadas históricas que conhecem muitos pontos de contacto e de convergência.
Ambos são países de articulação.
Ambos são espaços privilegiados de contacto com outras nações, com outras realidades.
Ambos pontificam, cada qual em sua margem, com acrescidas responsabilidades, na geografia do chamado Oceano moreno onde se destaca uma África que parece ter sido esquecida pelos deuses, olvidada pela Providência, permanentemente à espera que dela se lembrem aqueles que, por pouco que lhes sobre, sempre terão infinitamente mais do que os que mais não têm senão a esperança nos demais.
Portugal, já plenamente enquadrado numa Europa chamada da União para qual aporta como um dos seus mais preciosos activos e contributos justamente essa histórica vocação intercultural, tem no seu relacionamento privilegiado com o Brasil um capital fundamental que em nome das gerações vindouras não poderá ser desperdiçado nem mal-baratado.
O Brasil, fundador e indispensável trave-mestra de um Mercosul ainda em busca de uma completa definição estratégica, tem a oferecer aos seus vizinhos e parceiros, para além de muitas riquezas naturais com que a Providência prodigamente o dotou, a sua especial relação com Portugal como privilegiada porta de entrada para um necessário relacionamento com o velho mundo.
É assim, em torno dos grandes espaços nascentes, que se estrutura a ordem nova do mundo em que vivemos, do mundo dito globalizado.
Mas engana-se quem pensa que pelo facto de o mundo em que nos é dado viver ser, cada vez mais, um mundo globalizado, tudo o que é relevante se passa ao nível das super e das macro estruturas, estando dispensadas as actuações concretas dos diferentes movimentos da sociedade civil.
Diria que bem pelo contrário.
A globalização não mundializou apenas conflitos; também internacionalizou as respostas e as soluções para esses mesmos conflitos.
Não curou de superar assimetrias; não raro acentuou as desigualdades.
Não eliminou diferenças económicas; antes evidenciou com frequência desigualdades entre um norte rico e um sul pobre, fazendo emergir uma geografia da fome a sul que, a norte, é mal compreendida e quantas vezes não percebida.
Ora, é neste mundo de contrastes, nesta civilização de paradoxos, que enquanto movimento da sociedade civil, enquanto rotários, somos chamados a actuar, somos convocados a agir.
Pela frente abrem-se-nos inúmeras oportunidades e incontáveis desafios: saibamos ter a necessária inteligência e o suficiente discernimento para lhes dar as respostas que as nossas comunidades esperam de nós.
Não limitemos o nosso relacionamento a estes momentos de agradável e sã convivência rotária; procuremos dar-lhe um conteúdo concreto no quadro dos programas rotários existentes ou através de outros que entendamos delinear.
Não fiquemos pela simples emissão de bem fundadas declarações de princípios ou intenções; no tal mundo globalizado, que relativizou as distâncias mas evidenciou as discrepâncias, saibamos estabelecer laços sólidos e duradouros que constituam verdadeiras pontes entre nossas duas comunidades, muito para além de nossos dois Clubes.
Numa sociedade mundializada que cada vez mais apela à solidariedade entre homens de boa-vontade, saibamos ser, à nossa modesta escala, os agentes construtores de uma nova ordem, catalizando vontades dos poderes públicos que presidem aos nossos territórios.
Em nome doRC de Aveirocreio poder afirmar a nossa disponibilidade para encetarmos este percurso.
E não me permito duvidar, por um instante que seja, que igual é a disponibilidade do nosso Clube irmão.
Assim sendo, estão reunidas as condições necessárias para que este relacionamento frutifique; para que o Protocolo que há um ano assinámos em Belém constitua o marco do desenvolvimento de uma verdadeira parceria em prol das nossas Comunidades.
Aproximando Aveiro e Belém estaremos aproximando nossos povos, estaremos cumprindo nosso ideal quase centenário.
Numa palavra, estaremos fazendo e vivendo ROTARY».