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Recordando os vinte anos da queda do Muro de Berlim

Domingo, 01.11.09

Para assinalar os vinte anos da queda do Muro de Berlim, reuniram ontem em Berlim, numa cerimónia presenciada por uma imensa multidão, três anciãos, três homens doentes que, apesar de tudo e da sua condição actual, foram três dos artífices desse momento inigualável da nossa História contemporânea: o ex-chanceler federal Helmut Kohl, o ex-Presidente soviético Mikhail Gorbatchov e o ex-Presidente dos EUA George Bush. Foram, em conjunto, três dos mais importantes obreiros dum feito que, pondo fim à ordem internacional estabelecida em Ialta no final da segunda guerra mundial, permitiu abrir as portas para o final da guerra-fria e criou as condições para que a Europa se reencontrasse consigo própria, pondo fim ao anátema da divisão que pairou sobre o velho continente durante quase meio século. Se a Europa política coincide hoje, praticamente, com a Europa geográfica, isso deve-se muito à actuação dos 3 estadistas que ontem se reencontraram em Berlim. Do grupo restrito de responsáveis pelo sucesso alcançado, faltou à cimeira de Berlim apenas a figura tutelar e providencial do saudoso Papa João Paulo II, sem cujo magistério de influência dificilmente se teriam alcançado os resultados que se alcançaram. E, se quisermos abrir um pouco mais o leque - sem esquecermos o exemplo dos mártires que deram as suas vidas pela liberdade na Europa e nos seus países (e aí podemo-nos servir dos exemplos do estudante checo Jan Palach auto-emulado na Praça de S. Wenceslau em Praga a 16 de Janeiro de 1969 porque era urgente protestar contra a sovietização da sua pátria, ou do padre Popieluzco, assassinado pelos serviços secretos polacos por ser simpatizante do sindicato livre Solidariedade) ou dos intelectuais que, formando uma autêntica Internacional de Dissidentes, recorreram ao poder do verbo para denunciar as atrocidades cometidas contra os seus concidadãos (de que é exemplo Vaclav Havel, futuro Presidente da Checoslováquia livre e da nova República Checa, inspirador da Carta 77 e autor d'«O Poder dos sem poder» - talvez devamos referenciar mais dois nomes que se encontram ligados aos acontecimentos que agora se recordam - Lech Walesa e Ronald Reagan. O primeiro, na sua Polónia natal, foi o primeiro a ousar defrontar o poder errático dentro das suas próprias fronteiras brandindo como arma apenas a palavra e buscando as suas forças nas eucaristias diárias celebradas à porta dos estaleiros navais de Gdansk; o segundo, ao apostar na credibilização e fortalecimento da política externa dos EUA, confrontou o poder soviético com as suas próprias debilidades, levando-o a reconhecer a sua incapacidade para competir com o mundo livre ocidental nos domínios económico e militar em simultâneo. Apostando no reforço do poder militar norte-americano, criou condições para o reconhecimento do fracasso do modelo soviético.

Mas este encontro de Berlim teve também o condão de permitir recordar aqueles que, mesmo no campo ocidental, sempre se mostraram, mais ou menos explicitamente, adversários declarados da reunificação alemã - primeiro passo para a própria reunificação europeia e a queda dos regimes ditatoriais do leste europeu. Desde logo, François Mitterrand, o Presidente francês a quem é atribuída a célebre expressão de que gostava tanto da Alemanha que preferia que houvesse duas em vez duma única e reunificada. Resquícios antigos de divergências seculares que, recorde-se, estiveram na base do próprio projecto comunitário e da Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950. Mas também Margaret Thatcher, cuja antipatia e desconfiança pelo processo de reunificação das duas Alemanhas nunca foi escondido - e alguns dos seus biógrafos e colaboradores mais chegados têm relatado com detalhe insuspeito.
Olhando para a fotografia que regista esta encontro de Berlim, é também uma onda de nostalgia que perpassa e não pode deixar de ficar registada. Desde logo pela certeza de terem sido tempos historicamente relevantes e que irão ficar para a História aqueles que, nos finais dos anos oitenta e princípios dos anos noventa do século passado, puderam ser vividos e de forma apaixonante - ainda que, eventualmente, sem uma consciência perfeita (que só nos é dada pela distância histórica) da sua importância e da sua relevância. Mas também pela convicção de que as actuais lideranças europeias (e não só) se encontram a considerável e enorme distância da qualidade das lideranças de há vinte anos....

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publicado por Joao Pedro Dias às 01:58