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Ainda sobre o Tratado Reformador (futuro Tratado de Lisboa?) - algumas notas soltas

Sexta-feira, 29.06.07

Algumas notas soltas, tomadas ao correr da pena, sobre o Tratado dito Reformador ou Modificativo - que alguns esperam que venha a ser Tratado de Lisboa - alguns dias passados sobre a Cimeira do Conselho Europeu de Bruxelas e depois de ter escutado vários debates e outros tantos comentários sobre o que ali se concluiu e ter intuido algo do que por lá se terá negociado mas que não consta das Conclusões da respectiva Presidência:

  1. José Sócrates pediu um mandato claro e preciso. O Conselho Europeu deu-lhe mais do que isso. Em rigor deu-lhe um Tratado quase já redigido, pelo menos redigido na sua parte substancialmente mais polémica ou potencialmente mais sensível, com uma série de normas já definidas e fechadas;
  2. Na prática, a verdadeira CIG já foi aberta e já iniciou os seus trabalhos: nunca, em nenhum Tratado anterior, se havia descido a tanto pormenor como na Cimeira do Conselho Europeu; nessa medida a Cimeira funcionou como uma verdadeira Conferência Intergovernamental;
  3. Será curioso comparar, norma-a-norma, a defunta Constituição Europeia e o futuro Tratado Reformador e averigar o que permanece daquela neste. Atrevo-me a uma antecipação - por referência ao texto da Constituição, sairá a parte segunda que se referia à Carta dos Direitos Fundamentais e a parte terceira relativa às políticas previstas nos tratados comunitários. Sairão ainda as normas relativas aos símbolos da União (o hino, a bandeira, a moeda e a divisa) e o previsto Ministro dos Negócios Estrangeiros passará a chamar-se Alto Representante para a Política Externa e de Segurança mas manterá o essencial das suas competências previstas no texto constitucional. Em vez de haver um único Tratado, permanecerá a dispersão e a multiplicação, não se fazendo a necessária consolidação dos textos fundamentais. No mais, (personalidade jurídica da União, fim das presidências rotativas do Conselho, Presidência única do Conselho Europeu, número de Comissários inferior ao número de Estados membros, existência do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União rebaptizado, eficácia jurídica da Carta dos Direitos Fundamentais, etc) o essencial da Constituição permanecerá no futuro Tratado.... É impossível não se concluir que se perdeu demasiado tempo para tão poucas alterações.
  4. Recusam alguns, ainda, assumir já que o futuro Tratado venha a ser ratificado após a realização de referendo popular, invocando que ainda não se conhece o seu conteúdo e, portanto, não se pode estar já a definir o modo da respectiva ratificação. O argumento pareceria procedente e afigurar-se-ia sério se não se desse o caso de provir dos mesmos que, em campanha eleitoral, assumiram realizar um referendo popular sobre o Tratado europeu que viesse a ser aprovado, sem também conhecerem qual seria o seu concreto conteúdo.
  5. É impossível não descortinar, no mandato conferido à futura Presidência portuguesa, uma clara vontade dos Chefes de Estado e de Governo dos 27 de se furtarem à submissão do próximo Tratado a referendo popular. Desde o nome ao discurso, passando pelas anunciadas alterações cosméticas que se adivinham, há o propósito firme de anunciar que a crise institucional foi resolvida (a Europa não suportaria outro fracasso) mas em termos de tal forma mínimos que não necessitam/justificam/merecem que se volte a ouvir a palavra do soberano popular. Não há dúvidas de que o susto que os líderes europeus apanharam com os referendos sobre a Constituição Europeia ainda não está esquecido. E enquanto se lembrarem dele, optarão pela diplomacia eurocrática de confidencialidade e secretismo.
  6. Como acontece muitas vezes em situações semelhantes, criou-se o mito de que há quem queira que o Tratado seja ratificado após referndo popular para poder votar contra esse mesmo Tratado. Até pode ser que assim seja. Mas também há quem queira que se realize um referendo popular sobre o Tratado para poder votar SIM!

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publicado por Joao Pedro Dias às 11:42

Entre a geografia e a política - o regresso da Ideia de Europa

Segunda-feira, 25.06.07

Texto de «tese» apresentada, hoje, ao II Congresso sobre Portugal e o Futuro da Europa, organizado pelo IEEI - Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa e subordinada ao título em epígrafe.

  1. Uma das consequências nem sempre lembradas da Revolução que entre 1989/1998 varreu o leste do continente europeu foi, por paradoxal que tal possa parecer, o seu reflexo e a sua influência na natureza da própria União Europeia, ou do que viria a ser a própria União Europeia enquanto sucessora, continuadora ou aprofundadora do projecto comunitário consubstanciado nas Comunidades Europeias. O advento da União Europeia, enquanto estádio mais aprofundado do processo de desenvolvimento das Comunidades Europeias, contemporâneo da Revolução do Leste Europeu de 1989/91 é marcado não só pela necessidade de dar uma nova resposta institucional ao aprofundamento desejado pelos Estados comunitários – 12 à época – mas também pela necessidade sentida de fornecer um novo quadro organizativo e institucional que pudesse acolher as, à data expectáveis, vontades de adesão ou ingresso dos Estados que acabavam de se libertar do jugo e da dependência de Moscovo. Paradoxalmente e um tanto ou quanto decepcio-nantemente sob o ponto de vista europeu, estes Estados preferiram em primeiro lugar o conforto protector da Aliança Atlântica às vantagens económico-políticas da Europa da União. O ingresso nesta apenas se dá já com a adesão àquela plenamente materializada. Mas nem por isso esta deixou de se preparar para tal ingresso – primeiro com a criação da União Europeia, logo seguida das transformações operadas pelos Tratados de Amesterdão e de Nice – documentos de cuja matriz não se pode dissociar a preocupação e a tentativa de resposta às exigências que viriam a ser ditadas, sobretudo, pelo quinto (mega) alargamento processado em dois momentos distintos (1 de Maio de 2004 com a adesão de 10 Estados à União Europeia e 1 de Janeiro de 2007 com as adesões búlgara e romena). Ora, este mega-alargamento, ele próprio reflexo e consequência da Revolução europeia que em 1989/91 recuperou para o campo das democracias ocidentais os Estados europeus das outrora democracias populares, concretizou definitivamente um ponto de viragem na história e no percurso da União Europeia. Esta não mais se pode apresentar tão-só e apenas como a herdeira e sucessora das Comunidades Europeias – e, nessa medida, simples sucedânea de um bloco sub-regional (europeu) de matriz económico-política, restrito a um conjunto de Estados do que se convencionou designar como Europa Ocidental – porquanto passa, ela própria, a encerrar uma matriz genética diferente, a mudar de paradigma e natureza, evoluindo para uma organização que aspira a possuir relevância política, uma vocação praticamente continental (pan-europeia), assente no projecto comunitário que vem de trás e de que lhe compete incorporar, mas também sustentada pela aspiração da edificação de uma política externa e de segurança comum a todos os seus Estados membros e pela construção de uma eficaz cooperação em matéria de justiça e assuntos internos (os 3 pilares da União) – tudo visando a criação de um amplo espaço europeu de liberdade, segurança e justiça alicerçado num conjunto de instrumentos dos quais a criação de uma cidadania europeia não será, seguramente, o menos relevante.

  2. Esta mudança evolutiva, além de colocar questões específicas no domínio da sobreposição de algumas competências da nova União com, por exemplo, o Conselho da Europa, levará a organização de Bruxelas a expandir as suas fronteiras a latitudes e longitudes cada vez mais distantes e longínquas, dentro do princípio de que para aderir bastará o respeito pelos princípios gerais consagrados no seu Tratado institutivo – o que permitirá evidenciar, pela primeira vez na sua história, que a fronteira geográfica da União pode não ser a sua fronteira política. Os limites geográficos poder-se-ão alargar a lugares questionáveis do ponto de vista político; politicamente pode haver adesões que questionem a clássica origem geográfica europeia em torno da qual a União foi pensada. Talvez o caso turco encerre suficiente virtualidade para ilustrar as difíceis escolhas que há a fazer entre uma Europa política e uma Europa geográfica. A ponto de, em tempo de pragmatismo, em surpreendentes e insuspeitos regressos à doutrina e à teoria, não só se voltarem a repetir discussões «novas» com séculos de idade entre as ideias de chamamento à colaboração, de aliança, de inclusão ou de separa-ção, como também de não começar a faltar quem proclame que mais do que «política» ou «geográfica», a Europa, e neste caso a da União, volte a ser um conceito e uma «ideia» e é como tal que deve ser encarada e considerada.

  3. Voltará, pois, a mostrar a sua pertinência um certo «regresso aos clássicos», àqueles que nos tempos recentes parecem andar longe e distante das nossas atenções mas que, inquestionavelmente, de tempos a tempos, faz bem (re)visitar e (re)lembrar – nem que seja para se constatar que muitos dos problemas, dúvidas e angústias que se nos colocam actualmente já foram problemas, dúvidas e angústias de muitos e constituíram novidade há muito tempo, há vários séculos até, e já suscitaram respostas nem sempre substancialmente diferentes de muitas “novidades” que na actualidade nos aparecem propaladas e generosamente divulgadas.

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publicado por Joao Pedro Dias às 21:54

O Tratado Reformador ou Modificativo Europeu

Sábado, 23.06.07

Escassas horas após o encerramento da Cimeira do Conselho Europeu de Bruxelas, Le Monde faz-nos uma síntese do que foi acordado e dos princípios estabelecidos que deverão estar presentes no futuro Tratado reformador europeu - por comparação com a defunta Constituição europeia. Com a devida vénia, transcrevemos o citado artigo que pode ser originalmente consultado aqui.

«Le nouveau traité "réformateur" dont les grandes lignes ont été fixées samedi 23 juin – ou "traité modificatif" dans son appellation française – se contentera d'amender, au lieu de les remplacer, les traités existants : celui sur l'Union européenne et celui de Rome, qui sera rebaptisé "Traité sur le fonctionnement de l'Union". Voici ses principales dispositions.

Ce qui disparaît, par rapport au texte de la Constitution rejetée en France et aux Pays-Bas :

  1. Le terme de Constitution.
  2. La référence aux symboles, même si ceux-ci continuent d'exister : le drapeau aux douze étoiles, l'hymne (l'Ode à la joie), la devise ("L'Union dans la diversité"), et la mention "La monnaie de l'Union est l'euro".
  3. La partie III du traité constitutionnel fixant les politiques et le fonctionnement de l'Union. Ses articles, portant sur le marché intérieur, la concurrence, l'agriculture, l'Union monétaire, la coopération judiciaire et policière, etc., retrouvent leur place dans les traités existants, que la Constitution devait remplacer.

Ce qui est maintenu sans grande modification :

  1. Les principales innovations institutionnelles : la présidence stable de l'Union pendant deux ans et demi, au lieu d'une présidence tournante du conseil tous les six mois; la composition réduite de la Commission européenne.
  2. Dans l'article sur les objectifs de l'Union, Nicolas Sarkozy a obtenu de biffer une référence à la concurrence "libre et non faussée". Mais ce principe est maintenu dans les traités existants. Il est ajouté, à la demande de Paris, que l'Union "contribue à la protection de ses citoyens".
  3. L'extension des domaines à majorité qualifiée, en particulier en matière de coopération judiciaire en matière pénale et de coopération policière. Cette réforme se traduit par une augmentation des pouvoirs du Parlement européen, colégislateurs dans ces domaines avec le conseil des ministres. Afin de rassurer le Royaume-Uni, qui craignait de nouveaux transferts de souveraineté, elle s'accompagne de la mise en place d'un mécanisme destiné à faciliter les coopérations renforcées entre les Etats désireux d'aller de l'avant.
  4. La délimitation des compétences entre l'Union et les Etats membres : l'Union douanière, le commerce, la concurrence, la politique monétaire demeurent des compétences exclusives de l'Union. La politique sociale, le marché intérieur, l'énergie, la recherche restent des compétences partagées avec les Etats.
  5. La personnalité juridique unique de l'Unionest maintenue, avec la fusion des trois piliers qui permettaient de distinguer les politiques gérées selon les méthodes communautaires (1er pilier), la politique étrangère et de sécurité commune (PESC, 2e pilier) et la coopération judiciaire et policière (3e pilier). A la demande de la France, et du Royaume-Uni, le caractère "intergouvernemental" de la PESC est cependant ancré dans le traité. Les Britanniques ne sont pas parvenus à dépecer les attributions de l'ex-ministre des affaires étrangères, rebaptisé "haut représentant pour les affaires étrangères et la politique de sécurité". Il disposera, comme prévu par la Constitution, d'un service diplomatique, et conservera sa position à cheval entre la vice-présidence de la Commission et la présidence du conseil des ministres des affaires étrangères.
  6. Le droit d'initiative citoyenne, qui permettra à un million de citoyens d'inviter la Commission à soumettre une proposition.
  7. La référence aux héritages culturels, religieux et humanistes de l'Europe Ce qui est maintenu, mais évolue : – La Charte des droits fondamentaux, qui constituait la partie II de la Constitution, ne sera pas reprise in extenso. Elle fait l'objet d'une référence lui donnant une force juridique contraignante. Ce qui revient au même selon les juristes. Le Royaume-Uni est exempté de son application.
  8. A la demande du Royaume-Uni, la primauté du droit européen sur le droit national n'est pas réaffirmée dans le traité proprement dit. Mais ce principe fait l'objet d'une déclaration renvoyant à la jurisprudence de la Cour de justice.
  9. La règle de la double majorité, qui stipule qu'une décision doit être prise par 55% des Etats membres et 65% de la population, subsiste pour l'essentiel. Mais son application est reportée à 2014 à la demande de la Pologne. Pendant une phase de transition, de 2014 à 2017, un pays pourra demander de voter selon les règles du traité de Nice. De plus un mécanisme permettra à un groupe d'Etats qui approche la minorité de blocage d'obtenir une poursuite de la négociation en vue d'une solution.
  10. Le rôle des Parlements nationaux est renforcé : la période qui leur est accordée pour examiner un texte passera de six à huit semaines; la Commission devra justifier une décision, la revoir ou la retirer, si elle est contestée à la majorité simple des voix attribuées aux Parlements nationaux.

Ce qui est nouveau :

  1. Un protocole sur les services publics, demandé par les Pays-Bas avec le soutien des Français, qui souligne l'importance des services d'intérêt général, met l'accent sur les "valeurs communes" de l'Union, mentionne "le rôle essentiel et la grande marge de manœuvre des autorités nationales, régionales et locales".
  2. Si les "critères de Copenhague" imposés aux pays candidats à l'adhésion ne sont pas mentionnés explicitement, comme le demandaient les Pays-Bas, le texte précise que "les critères d'éligibilité ayant fait l'objet d'un accord du Conseil européen sont pris en compte".»

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publicado por Joao Pedro Dias às 15:07

No rescaldo da cimeira europeia

Sábado, 23.06.07

Por gentileza da TSF é-nos pedido um comentário sobre os recentes desenvolvimentos da cimeira europeia, recém acabada de terminar já na madrugada deste sábado. Servem de base a esse comentário breves notas sobre o acordo a 27 anunciado há escassas horas e que agora se deixam registadas.

  1. Sobre o acordo a que chegaram os 27 - de certa forma era um acordo inevitável. Nunca, até ao presente, qualquer Estado membro da União Europeia que se barricou numa posição de intransigência, sozinho e isolado contra todos os demais, logou resistir às pressões diplomáticas de todos os restantes Estados; acabaram sempre por transigir e ceder. Nessa perspectiva, a cedência ou recuo da Polónia seria expectável, com mais ou menos dificuldades, mais ou menos horas de reuniões.
  2. Sobre a posição que resulta para Portugal do acordo a que se chegou em Bruxelas - estaremos longe de ter alcançado a solução mais simpática e mais vantajosa para Portugal. O acordo alcançado define apenas os contornos gerais de um Tratado que, apesar de tudo, falta redigir e consensualizar entre todos os 27 Estados. E só nessa altura poderemos aquilatar correcta e devidamente se as cedências feitas a Varsóvia não terão afectado interesses de outros Estados membros, perturbando ou prejudicando equilíbrios já conseguidos e consensos já estabelecidos. É na manutenção destes equilíbrios e no respeito pelo consenso obtido que se irá jogar o êxito e o sucesso da diplomacia portuguesa.
  3. Sobre o prazo anunciado para abertura e encerramento da próxima Conferência Intergovernamental - o anúncio, por parte do Primeiro-Ministro José Sócrates, das datas previsíveis de abertura (23 de Julho) e encerramento (Conselho Europeu de Outubro) da Conferência Intergovernamental apenas se compreendem caso haja garantias razoavelmente seguras de que o «trabalho de casa» será atempadamente feito e aprovado pela unanimidade dos Estados membros. De outra forma, seria uma decisão temerária, a de abrir um CIG sem um mandato prévio claro e preciso e algumas garantias de sucesso. Equivaleria a abrir uma verdadeira «caixa de Pandora» donde nunca se saberia o que de lá poderia vir a sair.
  4. Sobre os contornos materiais do que poderá vir a ser o futuro Tratado - pouco ainda se conhece do que foi efectivamente acordado. Em todo o caso, aquilo que já se conhece permite realçar e evidenciar que serão muitas as semelhanças entre o que se consensualizou em termos institucionais e aquilo que já estava previsto na defunta Constituição europeia. Nessa medida, tão parcas alterações não justificariam nunca tamanhos atrasos que se verificaram.

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publicado por Joao Pedro Dias às 11:07

O que é - e em que consiste - um «mini-tratado» ou um tratado minimalista?

Quarta-feira, 20.06.07

À medida que se vai aproximando a hora do início do Conselho Europeu de amanhã, vão sendo revelados «a conta-gotas» alguns pormenores não daquilo que já estará acordado e consensualizado entre os 27 Estados da União para integrar o novo Tratado europeu mas, sobretudo, daquilo que os divide e separa - no que não deixa de ser mais um exercício de uma confidencialidade diplomática sempre questionada e que se presta sempre às maiores reservas. O tratado, porém, na formulação inicial de Sarkozy, para ter êxito e sucesso e poder ser aprovado e ratificado por todos os 27 Estados membros da União, deverá ser um «mini-tratado», semântica logo corrigida por Durão Barroso que preferiu o termo «minimalista». Continua, porém, por explicar à opinião pública europeia (se é que ela existe) e à opinião pública dos Estados membros, o que é isso de um tratado minimalista ou de um mini-tratado. Num simples exercício de exegese semântica, um tratado será «mini» ou minimalista sempre por comparação com outro qualquer Tratado. E, em todo o caso, será sempre de uma avaliação quantitativa e nunca qualitativa que se estará a falar. Será sempre de uma questão formal em detrimento de uma questão material ou substancial. Desde logo, portanto, o tratado que se anuncia apresta-se a ter de ser comparado com qualquer outro - e esse outro que irá servir de comparação e de termo comparativo será, seguramente, algo que juridicamente nunca chegou a entrar em vigor, algo que «antes de ser já o era»: o Tratado que instituía uma Constituição para a União Europeia, assim se chamava oficialmente a criatura, mas que ficou conhecido apenas como Constituição Europeia ou Tratado Constitucional. Portanto, o que se anuncia é um tratado que será menor ou mais pequeno do que o defunto Tratado Constitucional. Não se trata de um grande consolo nem, tão-pouco, de uma qualificação que nos elucide ou esclareça muito sobre a concreta materialidade do texto que estará em fase de negociação. Bem pelo contrário. É que o tamanho ou a extensão nunca foram das mais importantes ou das mais consistentes críticas feitas ao falecido Tratado. O Tratado Constitucional era grande porque incorporava e consolidava normas até então dispersas por uma pluralidade de outros tratados - que eram expressamente substituídos e revogados. Dir-se-á, mesmo, tendo por referência a dita Constituição europeia, que o que era extenso não constituía novidade e que o que era novidade (designadamente as disposições de âmbito institucional, onde se centravam as maiores inovações e originalidades: Presidente permanente do Conselho Europeu, Ministro dos Negócios Estrangeiros da União simultaneamente Vice-Presidente da Comissão, regras para cálculo das maiorias qualificadas, etc., etc.) não era particularmente extenso (com a eventual excepção da Carta dos Direitos Fundamentais, original em termos de vigência jurídica e particularmente extenso e denso). Mas era aí que residiam as divergências e operavam as divisões. Ora, deixando-nos conduzir por um critério exclusivamente quantitativo, seriamos levados a concluir que um mini-tratado ou tratado minimalista que não promova a consolidação (substituição) dos tratados em vigor seria um tratado mais pequeno que a Constituição Europeia por não incluir o que já está previsto nos tratados em vigor, como a Constituição se propunha fazer, mantendo, porém, tudo e todo o restante - isto é, as disposições institucionais, mais reduzidas em número, mas mais controvertidas e mais controversas. Dito de outra forma, abdicando do que era extenso sem ser novo para manter o que seria novo sem ser extenso. Sintetizando - um mini-tratado ou tratado minimalista não eliminará os focos de controvérsia que estiveram presentes na Constituição Europeia, antes, eventualmente, os poderá potenciar - posto que poderemos ter um tratado exclusivamente consagrado a matéria polémica e controversa que esteja longe de fazer o pleno do requerido consenso unânime exigido para a sua assinatura (antes mesmo da sua ratificação posterior). Um tratado em versão minimalista poderá, assim, caraterizar-se por ser exclusivamente consagrado à única questão que mais separa e mais divide o Estados da União: o poder. Um tratado centrado em questões de poder, de repartição de poder entre Estados membros, de poder relativo e poder absoluto no quadro da União. E se assim for, as perspectivas de êxito e sucesso para a cimeira de amanhã do Conselho Europeu poderão ser sombrias. O fantasma de Nice - que foi um exemplo paradigmático disso mesmo, dum tratado consagrado às questões do poder e da sua repartição entre os Estados da UE - poderá voltar a pairar sobre Bruxelas.....

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publicado por Joao Pedro Dias às 15:47

Ainda as consequências do último (mega) alargamento da União Europeia

Terça-feira, 19.06.07

Não deixa de ser curioso, nos dias que vão correndo, escutarmos as lamentações e as lamúrias de uns quantos europeus ilustres que se vão condoendo com as dores e os imbróglios em que a Europa da União se vai vendo enredada, com a particularidade de estes serem dias de acrescido dramatismo resultantes da proximidade de mais uma cimeira europeia do Conselho Europeu. A curiosidade resulta, como é óbvio, de constatarmos que tais ilustres personalidades são, justamente, muitas daquelas mesmas que, de braços abertos e sem hesitações públicas conhecidas ou dúvidas publicamente expostas, apoiaram e aplaudiram o projecto expansionista e de alargamento da União concretizado nos dois momentos que conheceu o último (mega) alargamento da UE, por via da qual o número dos seus Estados membros passou de 15 para 27. Ora, não seria expectável que «a 27» os problemas fossem muito maiores do que «a 15»? Não seria de esperar que os necessários consensos exigidos para matérias constitucionais europeias e as unanimidades nesses domínios requeridas fossem bem mais difíceis de alcançar «a 27» do que «a 15»? Não seria uma simples decorrência da lei das probabilidades que, «a 27», aumentassem as ameaças do exercício do direito de veto por parte dos Estados membros da União? Esperar-se-ia, acaso, da parte dos novos Estados membros uma atitude passiva, qual capitas diminutio, assente num reconhecido agradecimento pelo facto de terem sido autorizados a juntar-se à Europa da União? Se são verdadeiras - como, apesar de tudo, pensamos que são - as queixas, as lamúrias, as lamentações e as irritações só podem mesmo ter na sua origem uma má avaliação e numa errada antecipação do que poderiam ser as consequências de um alargamento preparado à pressa, realizado de forma precipitada e, objectivamente, perigoso para o funcionamento de uma União que, ao mesmo tempo e em simultâneo, não abdicou do seu desejo de aprofundar muitas das suas políticas comuns e de lançar umas quantas outras novas em domínios tão difíceis de consensualizar como a política externa, a defesa e a segurança ou, mesmo, a efectiva concretização e a plena realização de um mercado único interno dirigido a mais de 500 milhões de europeus. Satisfeitos, verdadeiramente satisfeitos com o estado a que a União Europeia chegou, temos visto muitos daqueles que sempre nos habituámos a ver felizes e contentes com os reveses sofridos pelo projecto europeu.

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publicado por Joao Pedro Dias às 11:02

Prenúncio de Visegrado?

Segunda-feira, 18.06.07

No quadro da preparação da presidência europeia, José Sócrates deslocou-se a Bratislava para reunir com os 4 Estados membros do «Grupo de Visegrado» - Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia - tentando aplainar o caminho para o futuro Tratado institucional europeu, garantindo se não o sucesso da próxima cimeira do Conselho Europeu, pelo menos a definição clara do mandato a atribuir a Portugal para o exercício da sua presidência e a eventual convocação de uma nova Conferência Intergovernamental. A avaliar pelo que foi noticiado, porém, as coisas não terão corrido de feição a Sócrates, sobretudo com o gémeo polaco que chefia o governo de Varsóvia e que não se terá mostrado muito disposto a abdicar de alguns ganhos consagrados em Nice em matéria de poder relativo da Polónia no quadro do Conselho de Ministros da União Europeia. E, incomodado com a «retórica» de Sócrates, deixou pairando no ar a possibilidade de vetar qualquer acordo que possa vir a ser negociado e que vá contra os seus específicos interesses nacionais. Pior cenário e pior augúrio seriam dificeis de conjugar e de combinar na véspera da cimeira europeia. Se este prenúncio de Visegrado se vier a confirmar, o pior que poderemos esperar do próximo Conselho Europeu será a repetição do ocorrido em Nice - talvez o mais negativamente marcante momento da história das negociações intergovernamentais alguma vez ocorrido em cimeiras europeias, exemplo acabado de uma pura lógica de poder estadual que se sobrepôs aos comuns interesses europeus. É que se a Europa dos 15 - apesar de já então a caminho dos 25 e dos 27 - digeriu e absorveu mal Nice, esta Europa da União a 27 dificilmente suportará uma reprise do mesmo espectáculo, um déjà vu de contornos imprevisíveis mas, seguramente, de consequências nefastas para o próprio projecto europeu.

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publicado por Joao Pedro Dias às 15:19