Casa Europa
Anotações (quase) diárias sobre os caminhos da Europa e da União Europeia
Os erros de Alegre, o novo soberanista
Mais empenhado, certamente, em marcar pontos na agenda política interna, quer nacional quer partidária, Manuel Alegre vem hoje afirmar, entre outras coisas, que
Portugal não pode aceitar deixar-se condenar à irrelevância institucional dentro da União. [...] Alegre apontou o risco que decorre do facto dos "mesmos países - os mais populosos - estarem sempre em situação de poder impor a sua vontade" e pergunta: "qual é o incentivo para a busca de compromissos que contemplem também os pequenos e médios?" "Assumo sem complexos uma visão soberanista e patriótica, determinado pela razão do nosso Estado e pela defesa dos interesses de Portugal", afirmou, para sublinhar que o seu "desvio soberanista é pelo menos igual ao dos ingleses, franceses e alemães". Para Alegre, o novo tratado acarreta também um reforço claro do Conselho de Ministros, em detrimento da Comissão Europeia, "tradicionalmente vista pelos países mais pequenos como a melhor defensora do interesse europeu".
Ora, esta visão soberanista de Alegre não só é a que menos se compagina com a tradição histórica da sua família política - recorde-se que o projecto europeu é fruto da conjugação de vontades socialista e democrata-cristã do pós-guerra - como enferma de um pressuposto errado e de uma incoerência assinalável.
O pressuposto errado é evidente - se, ab initio, todos os Estados-Membros do projecto comunitário utilizassem o mesmo tipo de raciocínio, numa pura lógica de ganhos imediatos e egoísticos, esse mesmo projecto teria definhado e não teria subsistido garantindo à Europa mais de meio século de paz e de prosperidade. Registe-se que o modelo de organização europeia soberanista - de feição intergovernamental ou assente num modelo de cooperação - foi justamente aquele que os pais fundadores quiseram substituir após o conflito mundial por não ter sido capaz de evitar essa mesma tragédia.
A incoerência do discurso de Alegre, por outro lado, denota-se quando o deputado-poeta enfatiza o reforço do Conselho de Ministros em desfavor da Comissão Europeia. Ora, o Conselho de Ministros é, justamente, a sede institucional de representação dos Estados-Membros, onde os interesses destes são especificamente considerados e defendidos pelos seus diferentes Ministros - ao contrário da Comissão Europeia cuja motivação de actuação não pode ser outra que não o interesse comum da União. Ora, qualquer visão «soberanista» não pode protestar contra o reforço das competências do Conselho em desfavor da Comissão Europeia. É que numa simples lógica de coerência argumentatitva nenhum «soberanista» pode lamentar os poucos poderes da Comissão Europeia. É uma contradição nos próprios termos e verdadeiramente insanável.