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Os desafios da Europa em 2012 - by Javier Solana

Segunda-feira, 26.12.11

Durante mais de seis décadas, o processo de integração europeu desenvolveu-se de forma firme. Cada passo, desde a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço até à actual União Europeia, foi dado tendo em vista o bem comum e baseado em valores (democracia, direitos humanos e justiça social) e objectivos (crescimento económico, prosperidade e consolidação do prestígio internacional da Europa) comuns. No próximo ano, o resultado – as regras e instituições que nós europeus cuidadosamente criámos – vai ser, como nunca, posto à prova.

Em 2011, à medida que a crise da dívida soberana da Zona Euro – desencadeada pela crise económica e financeira que começou em 2008 – alastrou dos países da periferia para o centro da região, as fundações da Europa começaram a tremer. A resiliência da União Europeia – na verdade, a sua própria sobrevivência – tem sido colocada em causa numa época de profundas transformações geopolíticas e em que uma Europa forte é essencial. 

O poder global está a deslocar-se para a Ásia e Pacífico. Surgiram novos actores não estatais – e com uma influência recente – e em alguns casos (por exemplo, organizações terroristas) colocaram em perigo a capacidade dos estados de garantir a segurança nacional. A proliferação nuclear é uma ameaça crescente, como mostra o último relatório da Agência de Energia Atómica sobre o Irão. Os progressos alcançados em questões globais essenciais – em particular a segurança energética e as alterações climáticas – têm sido decepcionantes. O flagelo da pobreza e da fome – actualmente mais urgente na Somália – continua a ofender a própria ideia de civilização.

Tudo isto contrasta com as previsões de um mundo pacífico, previsível e seguro, tão populares após a Guerra Fria. As revoltas árabes, impensáveis há apenas um ano, desafiam agora uma ordem regional que prevaleceu por mais de meio século. O tsunami no Japão colocou em causa o futuro da energia nuclear em todo o mundo. E, talvez o mais impressionante, o declínio dos Estados Unidos, a maior potência económica e de segurança desde 1945, tornou-se incontestável em 2011, o que se reflectiu numa paralisia e polarização política e por um corte do rating da dívida do país. 

Assim, são muitos os desafios estratégicos que a União Europeia enfrenta. Para os resolver deve, em primeiro lugar, reconquistar a sua credibilidade internacional. Desde a adopção do Tratado de Lisboa em 2009 muitos avanços foram feitos – e devem continuar a ser – no sentido de reformar e regular o sistema financeiro. Mas muitas decisões foram tomadas demasiado tarde ou não foram, suficientemente, abrangentes, o que acabou por ter consequências, já que os actuais instrumentos não são adequados para resolver uma crise tão séria como a que a região está a viver. 

A crise da dívida soberana veio mostrar que o euro necessita de mecanismos que permitam enfrentar choques assimétricos. Isto implica a criação de um Ministério das Finanças comum. Para enfrentar os ataques especulativos de que tem sido alvo a economia da Zona Euro é necessário, em primeiro lugar, um compromisso de maior partilha do risco e uma maior autoridade por parte do Banco Central Europeu. Um Pacto de Estabilidade mais severo e rigoroso é, igualmente, necessário para alcançar uma maior integração.

Neste ponto, a cimeira europeia de 8 de Dezembro foi um passo importante para aprofundar a união política e reforçar a governação entre os Estados-membros da Zona Euro. Ainda assim, é preciso fazer mais para recuperar a estabilidade financeira, como, por exemplo, aumentar o “poder de fogo” do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF).

Além disso, queremos que a União Europeia renasça mais forte desta crise. Para isso é necessário que exista um melhor equilíbrio entre a austeridade e as politicas de crescimento económico. Sem crescimento e baixo desemprego, não é possível resolver os problemas da Zona Euro. A União Europeia deve ainda aliar as suas estratégias económicas à competitividade de longo prazo, que é determinada pelo valor acrescentado de bens e serviços.

A China e a Índia aprenderam muito bem esta lição. Em menos de 15 anos, cerca de 20% dos seus gastos serão para investir em pesquisa e desenvolvimento, mais do dobro da percentagem actual. Entretanto, a União Europeia vai enfrentar um sério problema demográfico: em 2025, representará apenas 6,5% da população mundial, face aos 61% da Ásia. A média de idades será 45, enquanto na Índia será 28, na China 37 e nos Estados Unidos 38. Na ausência de estratégias adequadas para a imigração, integração, cuidados de saúde e educação, o crescimento e competitividade da Europa vai cair e as tensões sociais vão agravar-se e multiplicar-se. 

A Europa deve também contribuir para reformar o sistema tradicional de relações internacionais.

 

As actuais instituições multilaterais foram criadas para o mundo – que já desapareceu – centrado no Ocidente. Ao mesmo tempo, a dispersão do poder, o nível de interdependência e a enorme dimensão desafios que o mundo enfrenta actualmente exige uma governação global eficaz, responsável e legítima. A incapacidade de alcançar consensos em questões graves, como a repressão interna na Síria, ou em problemas crónicos, como as alterações climáticas, revela a cada vez maior complexidade e responsabilidade da governação global.

Adaptar as instituições actuais aos novos poderes globais é um desafio central que não poder ser adiado além de 2012. Um exemplo, é a revisão das quotas do Fundo Monetário Internacional, agendada para 2014. Neste caso, ninguém está melhor posicionado do que a Europa para defender um multilatelarismo eficaz e facilitar acordos e ajustamentos. Para isso, deve adoptar uma posição comum para corrigir a actual sobre-representação. 

Ao falar claro a Europa poderá promover, com sucesso, os seus interesses e desenvolver parcerias não apenas com os tradicionais aliados, como os Estados Unidos, mas com novos líderes, como a China e o Brasil, e actores estratégicos, como a Turquia e a Rússia – e com blocos regionais cada vez mais importantes no mundo. No Médio Oriente – uma região que não tem o mesmo suporte que tem a Europa de Leste - o nosso apoio é essencial na construção de um novo enquadramento regional. 

Ninguém defende que alcançar todos estes desafios vai ser fácil. Todas as estradas têm altos e baixos, tal como qualquer crise transmite uma lição.

Em 2012, a lição deve ser a necessidade de uma maior integração política e regulação financeira, um enquadramento institucional legítimo e transparente e consensos. Todos os problemas podem ser resolvidos se nos focarmos e analisarmos a situação com uma clara visão estratégica." [Fonte] 

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:49