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O ano da indecisão na Europa - by George Soros

Terça-feira, 27.12.11

"A alarmante situação económica na qual a maior parte do mundo rico mergulhou em 2011 não foi meramente resultado de forças económicas impessoais, tendo sido grandemente criada pelas políticas levadas a cabo, ou não levadas a cabo, por parte dos líderes mundiais. Com efeito, a extraordinária unanimidade que prevaleceu na primeira fase da crise financeira que teve início em 2008 e que culminou com o pacote de resgate no valor de um bilião de dólares acordado conjuntamente na reunião do G-20 em Londres, em Abril de 2009, há muito que se dissipou. Agora, as lutas burocráticas internas e os conceitos erróneos são galopantes.

Pior ainda, o desacordo em matéria de políticas está patente nas linhas nacionais. O centro do conservadorismo orçamental está na Alemanha, ao passo que os países anglo-saxónicos continuam a inclinar-se para John Maynard Keynes. Esta divisão está a complicar imensamente as coisas, porque é necessária uma cooperação internacional estreita para corrigir os desequilíbrios globais que estão na raiz da crise.

As dúvidas em relação à dívida soberana na Europa giraram de tal modo em torno do euro que há quem agora se questione se a moeda única conseguirá sobreviver. Mas o euro foi uma moeda incompleta logo desde o início. O Tratado de Maastricht estabeleceu uma união monetária sem união política – um banco central comum, mas não um Tesouro comum. Os seus arquitectos estavam conscientes desta deficiência, mas outras falhas na sua concepção só se tornaram aparentes após o crash de 2008.

O euro foi criado com base no pressuposto de que os mercados corrigem os seus próprios excessos e de que os desequilíbrios só surgem no sector público. Acontece que alguns dos maiores desequilíbrios que alimentaram a actual crise surgiram no sector privado – e a introdução do euro foi indirectamente responsável.

Muito em particular, a dívida soberana na Zona Euro era vista como uma situação sem risco: os bancos só tinham de deter reservas mínimas para as obrigações dos países membros, que o Banco Central Europeu aceitava em termos iguais na sua janela de desconto. Os países membros podiam obter crédito praticamente à mesma taxa de juro que a Alemanha e os bancos estavam satisfeitos por ganharem uns cêntimos extra ao carregarem os seus balanços com dívida soberana das economias mais fracas da Zona Euro. A título de exemplo, os bancos europeus detêm mais de um bilião de euros de dívida espanhola, com os bancos alemães e franceses a deter mais de metade dessa quantia.

Em vez da convergência prescrita no Tratado de Maastricht Treaty, o radical estreitamento dos diferenciais das taxas de juro deu origem a divergências em matéria de desempenho económico. Países como Espanha, Grécia e Irlanda desenvolveram bolhas imobiliárias, cresceram mais depressa e criaram défices comerciais com a restante Zona Euro, enquanto a Alemanha – sobrecarregada com os custos da reunificação – refreou os seus custos laborais, tornou-se mais competitiva e gerou um excedente comercial crónico.

A convergência de taxas de juro foi interrompida quando um governo recém-eleito na Grécia revelou que o défice incorrido pelo anterior Executivo era muito superior ao que tinha sido reportado. As autoridades europeias demoraram a reagir, porque os países membros tinham visões radicalmente diferentes.

A Alemanha, traumatizada pela inflação descontrolada da década de 1920, e pelas suas aterradoras consequências políticas, opôs-se veementemente a qualquer resgate. Além disso, estava a caminho de mais um ciclo eleitoral, o que intensificou a rigidez da sua posição. Com os líderes alemães a insistirem em impor taxas de penalização pela atribuição de ajuda, a crise agravou-se – e os custos do resgate continuaram a aumentar.

Com efeito, uma vez que a incapacidade dos membros da Zona Euro para imprimirem a sua própria moeda os relegou efectivamente para o estatuto de países menos desenvolvidos que precisam de pedir crédito numa moeda estrangeira, os prémios de risco aumentaram em proporção. As autoridades, sem verem qualquer solução, continuaram a adiar – uma abordagem que normalmente funciona, porque os problemas ficam mais fáceis de resolver quando os mercados acalmam. No entanto, neste caso, a crise continuou a ganhar dimensão e as autoridades viram-se sem direcção quando o Tribunal Constitucional da Alemanha rejeitou a possibilidade de serem dadas garantias adicionais, além das providenciadas pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), sem o consentimento do Bundestag. 

Na cimeira da União Europeia de 9 de Dezembro, que decorreu em Bruxelas, os países da Zona Euro concordaram em pôr de pé uma união orçamental mais estreita. No entanto, quando esta decisão foi tomada, já não foi o bastante para controlar a crise financeira.

As medidas introduzidas pelo BCE deram um forte contributo para aliviar os problemas de liquidez da banca, mas nada foi feito para reduzir os enormes prémios de risco sobre as obrigações soberanas. Uma vez que os prémios estão intimamente ligados às deficiências de capital dos bancos, não basta haver uma meia solução. Se a dívida soberana da restante Zona Euro não for sucessivamente controlada, um incumprimento da Grécia poderá levar ao desmoronamento do sistema financeiro mundial.

Mesmo excluindo um tal cenário de pesadelo em 2012, a cimeira lançou as sementes para futuros conflitos – em torno do aparecimento de uma Europa a duas velocidades e da falsa doutrina económica que orienta o pacto orçamental proposto para a Zona Euro. Essa doutrina, ao impor austeridade num período de aumento do desemprego, ameaça mergulhar a Zona Euro numa viciosa espiral de dívida deflacionista da qual será difícil de escapar." [Fonte]

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publicado por Joao Pedro Dias às 04:01