Casa Europa
Anotações (quase) diárias sobre os caminhos da Europa e da União Europeia
Um dia mau para a União Europeia
A pretexto da institucionalização de um fundo permanente de salvaguarda do euro e de auxílio aos Estados-Membros que se debatam com dificuldades económicas e financeiras e violem as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento – o fundo europeu de emergência para a estabilização do euro actualmente existente e criado em Maio deste ano vigora apenas até 2013 – mas com o objectivo último de penalizar politicamente esses Estados podendo chegar ao ponto de os privar do direito de voto nas instituições da UE, e sob fortíssima pressão da Alemanha e da chanceler Ângela Merkel, o Conselho Europeu admitiu iniciar um processo tendente à revisão do Tratado de Lisboa – que levou quase uma década a ver a luz do dia e está em vigor há menos de um ano. Trata-se, objectivamente, de uma vitória de Ângela Merkel, que contou com o prestimoso apoio de Sarkozy, mas de um sério revés para a própria União Europeia. Em primeiro lugar porque a partir do momento em que se abra um processo de revisão dos Tratados, por muito cirúrgico e limitado ou circunscrito que o mesmo pretenda ser, nunca se sabe até onde tal processo poderá ir. E que outras reivindicações de outros Estados-Membros poderão surgir em cima da mesa negocial – qual caixa de Pandora que uma vez aberta não se sabe o que de lá poderá sair. Em segundo lugar porque os motivos que subjazem a esta nova ronda negocial são, objectivamente, negativos senão mesmo contrários ao próprio espírito europeu. Sancionar politicamente, privando-os do direito de votar, Estados económica e financeiramente incumpridores vai muito para lá do aceitável e do razoável. Entra no domínio do intolerável. Em terceiro lugar porque quaisquer alterações que venham a ser introduzidas nos Tratados terão de ser aprovadas unanimemente por todos os 27. O que significa, provavelmente, repetir a saga dos referendos, das suas repetições, da incerteza e instabilidade institucional. Em quarto lugar porque em época de profunda e gravíssima crise económica, financeira e social, o que a União Europeia menos necessita é de ser levada para discussões institucionais e jurídicas, que se arrastam no tempo e consomem as energias e as atenções das instituições comuns. O que a Europa, os europeus e o Mundo esperam da União Europeia são políticas activas de combate à crise e às suas consequências, aprofundando as políticas existentes e lançando outras que se mostrem necessárias. O que a União Europeia dá sinais é de querer continuar a fugir da Europa, dos europeus e do Mundo. E a ser assim, corre o risco de se tornar dispensável. O que seria verdadeiramente lamentável. Finalmente, porque a decisão tomada acaba por evidenciar um reforço da dimensão nacional das políticas exteriores sobretudo da Alemanha e da França, em detrimento da sua dimensão comunitária. E a ser assim, isso não augura nada de bom para a UE. Em suma, este dia 1 deste Conselho Europeu arrisca-se a ser um dia mau para a União Europeia.