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Geminação entre o Rotary Clube de Aveiro e o Rotary Clube de Belém Norte

Quarta-feira, 26.04.00

 

[Belém do Pará. Pará. Brasil] Enquanto Presidente do Rotary Clube de Aveiro, tenho a honra de liderar uma delegação deste Clube que se encontra na bonita cidade de Belém do Pará para comemorar os quinhentos anos da descoberta (ou do achamento - como por aqui se diz) do Brasil e, simultaneamente, assinar a Carta de Geminação (ou irmanação) entre nossos dois Clubes. Num dia duplamente especial - também ontem se comemorou o 26º aniversário do 25 de Abril de 1974 - foi um momento inesquecível de companheirismo e fortalecimento do ideal rotário aquele por aqui pudémos viver.


Para os eventuais interessados, aqui fica o texto da intervenção ontem lida:


«Chegados ao momento alto, do ponto de vista rotário, do dia de hoje, permitam-me que por um imperativo de consciência comece esta intervenção agradecendo com toda a sinceridade a simpatia, a generosidade, a atenção e o carinho com que nos receberam e com que nos distinguiram ao longo destes dois dias.


Creiam-me que a vossa generosidade fez radicar em muitos de nós uma real vontade de cá voltar, não para abusarmos da vossa hospitalidade, mas para podermos partilhar do vosso convívio e do calor da vossa amizade – que esperamos em breve poder retribuir.


Não poderei, igualmente, calar, o quão fundo em todos nós caíram as palavras acabadas de proferir pelo nosso querido Companheiro Eudiracy Silva: pela eloquência do verbo fácil, pelo conhecimento demonstrado sobre nossa terra e nossas gentes, pelo recordatório, feito de experiência vivida e de participação activa, naqueles momentos já tão longínquos em que nossas duas cidades pela primeira vez se encontraram e pactaram uma amizade que queremos perene e imorredoura.


No preciso momento em que oficialmente se comemoram, em Portugal e no Brasil, os 500 anos do achamento do Brasil, é com uma enorme satisfação que o Rotary Clube de Aveiro desloca a esta bela cidade de Belém do Pará uma sua delegação para saudar e estreitar os laços de amizade e companheirismo com o Rotary Clube de Belém-Norte e com todos os ilustres membros deste prestigiado Clube. Laços que, manda a verdade dizê-lo, se têm pautado por alguma irregularidade e intermitência, não fôra a periódica e anual presença no nosso Clube do nosso querido Companheiro Oliveira Mendes – que, desculpem-me dizê-lo, hoje consideramos já tão membro do nosso Rotary Clube de Aveiro quanto do vosso Rotary Clube de Belém-Norte.


Retribuímos também, com grande gosto e alegria, a visita que uma vossa delegação nos fez há precisamente dois anos e desde já me permito, formalmente e em nome do meu Clube, deixar o convite expresso para que no próximo ano rotário possamos ser brindados e honrados com nova visita de membros do vosso Clube.


Quisemos, com esta visita, ajudar a cimentar e a solidificar os laços de fraternal amizade que de há décadas a esta parte ligam as comunidades de Aveiro e de Belém do Pará – cidades geminadas, cidades amigas, numa palavra, cidades-irmãs. Mas esta irmandade e esta geminação, para serem efectivas, para serem reais, para terem um conteúdo concreto, devem ser vividas e sentidas pelas comunidades, pelas instituições da sociedade civil, pelos povos, pelas pessoas. O movimento rotário internacional e os nossos dois Clubes em concreto são um exemplo vivo do empenho nessa causa e da vivência de tais princípios. Saibamos, nós e os vindouros, sermos dignos dos que no passado lançaram as sementes da amizade entre nossas Comunidades e nossos Clubes.


Como comecei por vos referir, dá-se a feliz coincidência de assinalarmos este acontecimento rotário no preciso momento em que os nossos dois países celebram os quinhentos anos do achamento do Brasil. Compreenderão, pois, que recorde e evoque a primeira vez que na História da Humanidade um projecto integrado, como hoje seria denominado, incorporando ciência pura, tecnologia, finanças, planeamento, apoio político, capacidade de realização, foi imaginado e levado a cabo no período de cerca de um século, com controlo nacional. O objectivo era claro e nunca foi posto em causa - dar novos mundos ao mundo, para utilizarmos a palavra do Lusíada-mor, o príncipe da nossa língua comum, esse Luís de Camões imorredouro que como ninguém cantou o desígnio de um povo e a epopeia de uma nação; mas também existia como objectivo espalhar a fé cristã simbolizada no tambor e na bandeira com a Cruz de Cristo; e estimular as trocas comerciais entre um mundo dito "velho" e este onde estamos que, para lá de todos os mares, se convencionou chamar de "novo".


Missão pacifica? – perguntar-se-á. Claro que não!


Durante aquele século critico, quantas vezes se levantaram vozes inquietas, dubitativas, pessimistas? Quantos "velhos do Restelo" não pugnaram contra a ousadia, não criticaram a gesta, não desacreditaram na empresa? Quantas esposas não viram partir os maridos e quantas mães não se despediram dos seus filhos afogando, umas e outras, as suas dores - quiçá mesmo se numa premonitória saudade eterna e definitiva - em lágrimas de pranto que se confundiam com as salgadas águas desse imenso oceano que os valorosos marinheiros se preparavam para enfrentar? Quantas vezes não foi o poder político questionado sobre tão duvidosa afectação de recursos? Quantas vezes não terá passado pela mente dos responsáveis como seria bom, como seria tranquilo e apaziguador se simplesmente desistissem, levando a crédito e a débito o saldo da operação?

 

Mas o certo é que não desistiram!

 

Palmo a palmo, milha a milha, um mundo novo ia sendo achado e as artes e as ciências da navegação iam-se desenvolvendo. Um a um iam sendo destruídos os grandes mitos - o Cabo Bojador, o Cabo das Tormentas logo volvido em Cabo da Boa Esperança, depois o Adamastor - e a empresa ganhava progres¬siva solidez. A certa altura pode imaginar-se a emoção de um dos nossos maiores, Bartolomeu Dias, ao verificar que era possível inflectir para Norte! Supremo paradoxo: qual Moisés, a quem foi dado observar a Terra Prometida mas não lhe foi permitido alcançá-la, esse mesmo Bartolomeu Dias, que dava um passo importante para que se escrevesse uma nova página da História da Humanidade, vencendo o mar imenso, pereceria nesse mesmo mar que acabava de vencer, juntamente com parte importante da sua frota.

 

Mas o sonho transformava-se em realidade. E o dia chegou em que o enviado do Rei Português teve ocasião de falar, olhos nos olhos, com um exótico parceiro comercial. É verdade que este acto transformou o Mundo e lançou as bases de uma nova formulação da comunidade mundial, certamente rodeada de mistério, de desconfiança, de curiosidade. Mas é muito mais verdade que a verdadeira dimensão da epopeia só atingiria o seu explendor máximo quando, meses volvidos, Cabral aportou em Porto Seguro.

 

Aí sim, o Lusitano Reino, cume da cabeça da Europa toda, onde a terra se acaba e o mar começa, afirmava-se como verdadeiro ponta-de-lança da expansão cristã, que o mesmo era dizer da expansão ocidental. Doravante, Portugal assumia a dimensão de verdadeiro Estado euroatlântico, uno na multiplicidade, ponto de encontro e de convergência entre diferentes mundos e diferentes valores. Provava-se, então, que o mar dei¬xava de constituir obstáculo intransponível à convivência entre diferenças e divergências culturais e étnicas. A partir de então, europeus e não europeus comunicam entre si, não através de relações militares ou políticas de vencidos e vencedores, mas como povos que estabelecem conhecimento mútuo pelos serviços que podem prestar e se relacionam pela sua cultura, pelas suas leis, história e quotidiano. E deste novo relacionamento nasceram princípios que como ninguém o historiador brasileiro Pedro Calmon soube pôr em destaque: o princípio da humanidade nas relações entre os povos; o princípio do tratamento das nações em pé de igualdade; o princípio do direito de comerciar.

Correu tudo bem? Decerto que não!

 

Como ainda há dias assumia publicamente o Presidente da República de Portugal, desmandos houve que devem ser assumidos; erros foram feitos que têm de ser considerados; falhas existiram que não podem ser esquecidas. Mas o passado herdámo-lo e não pode ser assumido a benefício de inventário. Temos que o assumir na íntegra com o seu passivo – mas também com o seu activo. A nós compete-nos curar do presente – e construir o futuro. E o balanço final do passado, apesar de tudo, esse parece-nos francamente positivo. Com base naqueles e noutros princípios, uma diáspora se foi formando, um pouco por todo o Mundo, qual Nação peregrina em terra alheia – e também aqui nestas belas terras do Pará, onde a comunidade portuguesa aqui radicada terá tido a sua origem no primeiro grupo de portugueses que integravam a expedição de Francisco Caldeira Castelo Branco, que aportou aqui a Belém no dia 12 de Janeiro de 1616, e da qual fazia parte o capitão Pedro Teixeira, cuja obra de aguerrido e intrépido desbravamento da Amazónia lhe conferiu uma estatura que até hoje não encontrou similar, marcando indelevelmente a presença de Portugal nesta região imensa e misteriosa. Nesta região que no século XVII o Padre António Vieira descreveu como – e cito de memória – confuso e intrincado de rios e bosques espessos, aqueles (os rios) com infinitas entradas e saídas, e estes (os bosques) sem entrada nem saída. E se menciono este facto, é porque nele vejo um elemento importante que nos tempos que passam me parece que vale a pena ser recordado. Desde que o citado Caldeira Castelo Branco fundou a Feliz Lusitânia, sob a protecção de Nossa Senhora de Belém, nunca os portugueses que demandaram estas paragens deixaram de manter um estreito contacto com a terra mãe que os viu partir na justa medida em que plenamente se integravam e continuam a integrar na sociedade de Belém – tal como nos foi dado observar nestes dias aqui passados. Sem desprimor para as demais, três exemplos me ocorrem de imediato: desde logo a participação de portugueses neste exemplar Rotary Clube de Belém-Norte, com tudo o que isso significa de entrega ao próximo e de disponibilidade para servir; depois, essa incompa¬rável obra fruto da comunidade lusa que, constituída em torno da sua Beneficente Portuguesa, instituiu e mantém, sobretudo ao serviço dos mais carenciados, uma unidade hospitalar como decerto em Portugal não existe fora de dois ou três centros metropolitanos de maior dimensão; por fim, esse secular Grémio Literário que guarda nos seus arquivos repositório importante e parte preciosa da história da nossa Nação, da nossa secular mãe-pátria comum. Para estas três instituições, o nosso preito de homenagem, a nossa vé¬nia de saudação, o nosso imenso respeito de admiração.

 

Se estes exemplos ilustram a integração lusa neste belo Estado do Pará, fortes contactos continuaram, desde sempre, a ser mantidos com a terra-mãe de origem. E tão intensos e tão fortes foram esses contactos, e tão íntimas e sólidas se tornaram essas relações nos campos político, cultural e económico, que só um ano depois da proclamação da independência do Brasil o Pará, que hoje nos acolhe de forma tão calorosa, a ela aderiu, integrando-se na grande nação nascente. Da aproximação entre os nossos dois povos, que aqui representamos, outros elementos e outras marcas poderiam ser postos em destaque. Pelo seu carácter universal, espiritual e divino, a fé católica que une a maioria das nossas populações, de um lado e do outro do mar imenso que já não nos separa mas antes nos une, é justamente, depois da língua, o mais forte e puro agente de aproximação entre portugueses e brasileiros do Pará, que nela encontram um denominador comum que une as suas almas e os seus corações. Dispenso-me de ilustrar a afirmação feita, porque os factos que conhecem tão bem ou melhor do que eu falam por si: não é Fátima um dos Santuários Marianos por excelência da Europa, tanto quanto a procissão do Círio de Nazaré é por alguns qualificada como a maior manifestação de fé cristã de todo o Bra¬sil, com uma comunidade em peso a renovar a sua esperança na Virgem de Nazaré, padroeira de Belém? E a toponímia de muitas terras deste belo Estado onde não faltam evocações de Belém, Bragança, Aveiro, Santarém, Viseu, Óbidos, Barcarena, Vila do Conde, Oeiras, Almeirim, tudo nomes de belas e aprazíveis localidades lusitanas – que mais será preciso para que, de facto, nos sintamos verdadeiramente em casa? Acreditem-me: não falta nada. Da língua à toponímia, da cultura à fé, dos valores e tradições ao calor humano – formamos não duas mas uma mesma comunidade.

 

Pretendo terminar enfatizando e reforçando a ideia com que iniciei esta intervenção.

 

Nos nossos dias, na era dita da globalização, a mensagem que trago, em nome do Clube a que pertencemos e da comunidade que representamos, não pode ser outra que não esta: saibamos recuperar o exemplo dos nossos antepassados; saibamos reatar o relacionamento estreito entre nossos povos; saibamos passar por cima das distâncias geográficas que nos separam seguindo o exemplo dos que antes de nós o fizeram quando tal era bem mais difícil.

 

Temos a honra e o privilégio de integrarmos um movimento e dois Clubes que proporcionam o instrumento necessário e fornecem a doutrina ideal para suportar essa aproximação.

 

Os 35 anos de existência do Rotary Clube de Belém-Norte – com toda a sua riqueza histórica que já deu a este Distrito, nomeadamente, seis Governadores, e tem uma vitalidade e uma criatividade traduzida, por exemplo, na recente criação da Academia Paraense de Estudos Rotários – somados aos 46 anos de existência do Rotary Clube de Aveiro, constituem uma força única para aproximar os nossos povos e estreitar os laços entre nossas populações. É esse o significado primeiro e último da Carta de irmanação hoje aqui outorgada entre ambos nossos Clubes.

 

Contribuindo para aproximar ambas as cidades, Aveiro e Belém, aproximando os profissionais dos dois Clubes, é toda a dimensão internacional do movimento rotário que é posta em relevo e um serviço à cooperação e aproximação entre os povos que é prestado. Serviço diminuto, decerto – mas não é a paz internacional, bem supremo que procuramos e buscamos, a soma de todos os pequenos passos que cada qual, na sua esfera de acção, pode dar?

 

Pela minha parte, pela nossa parte – acreditamos que sim.»

 

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publicado por Joao Pedro Dias às 02:45