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União Europeia: alargamento ou implosão?

Sexta-feira, 11.10.02
A Comissão Europeia acaba de aprovar o relatório em que se pronuncia favoravelmente ao alargamento da União Europeia a mais dez Estados já a partir de 2004.
Decerto: o documento não é vinculativo. Mas nem por isso deixa de ser um primeiro sinal em vista da concretização de tal alargamento. E, digamo-lo com muita clareza, pese embora seja politicamente incorrecto afirmá-lo: trata-se de um sinal preocupante e negativo. Assumi-lo, de resto, talvez mais não seja do que dizer em voz alta o que nos corredores da diplomacia europeia se proclama em surdina.
Tranquilizem-se os euro-optimistas: não está em causa negar aos Estados candidatos o direito de aderirem à União; não está em causa a vontade de ver este grande espaço europeu transformado numa ampla comunidade de mais de 500 milhões de almas; tão-pouco o espírito e o princípio de solidariedade que alimentaram o ideal dos pais fundadores há mais de 50 anos.
Nenhum desses ideais está em causa. O que se questiona é outra coisa: é o tempo e o método do alargamento.
Comecemos pelo tempo. Num clima económico claramente recessivo, que não poupa economias de grandes e de pequenos Estados, impedindo que critérios da convergência consagrados no Pacto de Estabilidade e Crescimento sejam alcançados quer por grandes Estados (França, Alemanha, Itália) quer por pequenas economias (Portugal) – é no mínimo arriscado abrir as portas da Europa da União, em simultâneo, a dez novas economias, sendo que grande parte delas se encontra significativamente afastada dos valores médios do PIB comunitário o que exigirá fortes fluxos financeiros a crédito dos novos membros em nome da necessária coesão comunitária.
Por outro lado, nunca será demais relembrar que parte significativa dos Estados candidatos dão ainda os seus primeiros passos em termos de estabilidade dos respectivos regimes democráticos – muitos deles ainda incipientes. A maturidade e solidez das instituições democráticas em alguns dos Estados candidatos não pode deixar de ser encarada com alguma reserva, quando não com certa desconfiança.
Mas não é só da parte dos Estados candidatos que o processo de alargamento em curso pode suscitar reservas. Também do lado da União Europeia certos aspectos mereceriam uma mais avisada ponderação que talvez não recomendasse tão amplo e rápido alargamento. Destes assume particular relevo a candente problemática da reforma institucional.
A União Europeia assenta, ainda hoje, numa estrutura institucional desenhada e idealizada, no início dos anos cinquenta, a pensar numa Comunidade de 6 Estados, que suportou o alargamento para 9, depois para 10, seguidamente para 12 e, finalmente, para 15 membros. Afigura-se, porém, de todo inverosímil que o actual modelo institucional comporte e – sobretudo – funcione com a participação de mais 10 Estados, numa União Europeia de 25 membros. Alargar sem previamente reformar significará paralisar. Talvez por isso, talvez por estarem conscientes desta inevitável realidade, não vejamos protestar contra este alargamento da União aqueles que, no seu íntimo, apostam no enfraquecimento do projecto comunitário. Ou todos os que, no passado, sempre se opuseram aos anteriores alargamentos comunitários. No fundo, eles lá saberão porque não reagem, porque não protestam, porque não contestam.
Reforma institucional que, precise-se, deverá abranger igualmente a reforma do método comunitário, isto é, a reforma dos processos conducentes à formação de deliberações no quadro da União Europeia.
Mas não é só pelo tempo – de crise e recessão económica e de impreparação institucional da União Europeia – que este alargamento suscita reservas. Também o método escolhido não deixa de levantar preocupações. As lições da história mostram-nos que nunca nenhum processo de alargamento comunitário abrangeu em simultâneo mais de 3 Estados. Foi assim em 1973 (Dinamarca, Reino Unido e Irlanda); em 1981 (Grécia); em 1986 (Portugal e Espanha); e em 1995 (Áustria, Suécia e Finlândia). Ou seja, sempre que houve lugar a novos alargamentos comunitários prevaleceu a regra da prudência e do bom-senso. Estas características, de resto, mostraram-nos que quanto mais afastados os Estados candidatos se encontravam dos indicadores económicos médios europeus, menor era o número de Es-tados que aderiam ao projecto comunitário. O que desta feita a União se prepara para fazer é justamente o contrário do que – com bons resultados – tem sido feito. Abrir, de par em par, as suas portas a um elevado número de Estados, sendo que a generalidade dos mesmos denota graves problemas económicos é, no mínimo, ousado.
A palavra final, que poderá impedir que o risco potencial de tão arrojado alargamento se transforme em risco efectivo, caberá ao Conselho após parecer prévio obrigatório e conforme do Parlamento Europeu. Ambas as instituições têm, ainda, a oportunidade de emendarem a mão e corrigirem o tiro.
Porque, ao confinar-se, no seu relatório, à valorização das questões técnico-jurídicas (apreciando índices económicos e percentagem de normas comunitárias transpostas para o direito interno de cada Es-tado candidato), desprezando ou sub-valorizando a dimensão política do seu parecer, a Comissão mais não fez do que confirmar o que de há muito se vem constatando – a completa falta de liderança política da Europa da União. Liderança política que veja para além imediato, que ouse proclamar o politicamente incorrecto se e quando necessário. Liderança que pilote o tal avião que parece permanecer a voar sem piloto conhecido. Ou essa liderança surge e desponta, se afirma e credencia, ou o processo de alargamento em curso poder-se-á vir a transformar no embrião de uma indesejada implosão. Para gáudio dos europessimistas.

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publicado por Joao Pedro Dias às 03:20