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E agora, França?

Segunda-feira, 30.05.05

E agora? A França votou ontem - e, como já indiciavam todas as sondagens apresentadas nas últimas semanas, o «Não» levou vantagem. Não uma vantagem tangencial mas uma vantagem significativa - tão ou tanto mais significativa quanto a taxa de abstenção registada ficou aquém do que normalmente acontece sempre que estão em causa consultas eleitorais sobre questões europeias. Depois de contados os votos, podem ser deixadas algumas reflexões sobre os resultados apurados e as suas consequências. 1) A primeira consequência que resulta directamente do resultado do referendo francês é a de que este Tratado, nos exactos termos em que foi elaborado, negociado e aprovado (primeiro pela Convenção Europeia e depois pela conferência intergovernamental) está juridicamente morto. Para entrar em vigor necessitava de ser aprovado por todos os Estados-Membros da União. E como um deles (pelo menos) não o vai aprovar, juridicamente não pode entrar em vigor. 2) Em segundo lugar, objectivamente, o «não» francês foi um «não» plural. Confluiram no «não» os que entendem que já há muita Europa, os que acreditam que se deveria ter ido ainda mais longe em matéria de integração europeia, e aqueles que apenas quiseram censurar os seus órgãos internos de governo. Torna-se, assim, difícil dizer qual a razão deste «não». 3) Assim, contrariamente ao que aconteceu com o «não» dinamarquês ao Tratado de Maastricht (em que estavam em causa dois aspectos concretos que foram renegociados antes do segundo referendo) ou com o «não» irlandês ao Tratado de Nice (em que estava em causa essencialmente a questão da neutralidade irlandesa, que se resolveu antes do segundo referendo através duma interpretação normativa) o «não» francês tem características próprias, motivações diversificadas, que tornam impossível identificar aquilo com que os franceses não concordavam por forma a ser renegociado. 4) Nessa medida afigura-se como verdadeiramente essencial e determinante escutar aquilo que o Presidente Jacques Chirac irá dizer aos seus pares do Conselho Europeu no próximo mês de Junho - e que leitura o Presidente francês fará do resultado do referendo. 5) Por outro lado, afirmar que a rejeição do Tratado apareceu ditada essencialmente por questões de política interna, estabelecendo a dicotomia entre assuntos internos e assuntos europeus, não faz grande sentido. Cada vez mais as questões europeias são matéria de âmbito interno dos Estados da União. E a prova é que, cada vez mais políticas internas são justificadas pelos governos nacionais como sendo adoptadas por imperativo comunitário.

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publicado por Joao Pedro Dias às 10:56

A Europa dos 46

Segunda-feira, 16.05.05

A Europa dos 46 - a Europa do Conselho da Europa, que não a dos 25 da União - está reunida em Cimeira em Varsóvia tendo como ponto fundamental da sua ordem de trabalhos a reflexão sobre a sua própria organização e estruturação política. Tema candente e pleno de actualidade, decerto. De facto, quase duas décadas volvidas sobre a queda do Muro, que foi também a queda da ordem internacional saída de Ialta e que presidiu aos quarenta longos anos da guerra-fria, dificilmente o Conselho da Europa poderia encontar temática mais apropriada e mais actual para meditar e reflectir. A queda do Muro significou o reencontro entre a política e a geografia europeias. A Europa geográfica reencontrou-se e reconciliou-se com a Europa política e institucional. O signo da divisão que havia marcado os anos da guerra-fria (duas cidades de Berlim, duas Alemanhas, duas Europas, duas organizações militares, duas organizações políticas, duas organizações económicas) foi superado e ultrapassado. A queda do Muro abriu as portas ao reencontro de uma cidade, à reunificação de um país e ao desaparecimento das organizações europeias duplicadas. A acessão à democracia da metade europeia que vivera na era das trevas permitiu aos Estados do centro e leste do continente, gradualmente, irem-se juntando aos demais, no quadro das organizações que permaneceram. E que se foram alargando, aceitando cada vez mais e novos Estados no respectivo seio. Uma das organizações que viu aumentar exponencialmente o seu número de Estados-membros foi, precisamente, o Conselho da Europa - hoje com 46 Estados a integrá-lo. A própria NATO também mais que duplicou o número dos seus Estados-membros, por referência ao momento da sua fundação, passando a integrar alguns dos que outrora foram considerados como os seus inimigos. E a União Europeia, sucessora e herdeira natural das Comunidades Europeias já vai com 25 Estados-Membros - mais que quadruplicando o seu número inicial de membros. E, mais do que aumentar o número de Estados-Membros, mudou de natureza e passou de uma simples área económica e comercial subregional para um bloco geopolítico de vocação continental paneuropeia. Ora, como facilmente se pode intuir, todas estas mutações, ocorridas em menos de duas décadas, não podem ser desprovidas de consequências no plano institucional. Sobretudo quando se constata que a generalidade das organizações europeias existentes foi dotada de uma estrutura institucional que não previa a inclusão de tão elevado número de Estados-Membros. Daí que, mais do que nunca, urja e se imponha reflectir sobre a arquitectura institucional desta nova Europa dos alvores do III milénio, a Europa em que a política se apresenta reconciliada com a geografia. E o Conselho da Europa será, por certo, das poucas instâncias onde esse debate se pode fazer com inteira propriedade e cabimento. Impõe-se, assim, estarmos atentos às conclusões que sairão desta Cimeira do Conselho da Europa para percebermos até que ponto a mesma poderá marcar uma viragem nas relações intra-europeias.

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publicado por Joao Pedro Dias às 11:30

A Europa dos 46

Segunda-feira, 16.05.05

A Europa dos 46 - a Europa do Conselho da Europa, que não a dos 25 da União - está reunida em Cimeira em Varsóvia tendo como ponto fundamental da sua ordem de trabalhos a reflexão sobre a sua própria organização e estruturação política. Tema candente e pleno de actualidade, decerto. De facto, quase duas décadas volvidas sobre a queda do Muro, que foi também a queda da ordem internacional saída de Ialta e que presidiu aos quarenta longos anos da guerra-fria, dificilmente o Conselho da Europa poderia encontar temática mais apropriada e mais actual para meditar e reflectir. A queda do Muro significou o reencontro entre a política e a geografia europeias. A Europa geográfica reencontrou-se e reconciliou-se com a Europa política e institucional. O signo da divisão que havia marcado os anos da guerra-fria (duas cidades de Berlim, duas Alemanhas, duas Europas, duas organizações militares, duas organizações políticas, duas organizações económicas) foi superado e ultrapassado. A queda do Muro abriu as portas ao reencontro de uma cidade, à reunificação de um país e ao desaparecimento das organizações europeias duplicadas. A acessão à democracia da metade europeia que vivera na era das trevas permitiu aos Estados do centro e leste do continente, gradualmente, irem-se juntando aos demais, no quadro das organizações que permaneceram. E que se foram alargando, aceitando cada vez mais e novos Estados no respectivo seio. Uma das organizações que viu aumentar exponencialmente o seu número de Estados-membros foi, precisamente, o Conselho da Europa - hoje com 46 Estados a integrá-lo. A própria NATO também mais que duplicou o número dos seus Estados-membros, por referência ao momento da sua fundação, passando a integrar alguns dos que outrora foram considerados como os seus inimigos. E a União Europeia, sucessora e herdeira natural das Comunidades Europeias já vai com 25 Estados-Membros - mais que quadruplicando o seu número inicial de membros. E, mais do que aumentar o número de Estados-Membros, mudou de natureza e passou de uma simples área económica e comercial subregional para um bloco geopolítico de vocação continental paneuropeia. Ora, como facilmente se pode intuir, todas estas mutações, ocorridas em menos de duas décadas, não podem ser desprovidas de consequências no plano institucional. Sobretudo quando se constata que a generalidade das organizações europeias existentes foi dotada de uma estrutura institucional que não previa a inclusão de tão elevado número de Estados-Membros. Daí que, mais do que nunca, urja e se imponha reflectir sobre a arquitectura institucional desta nova Europa dos alvores do III milénio, a Europa em que a política se apresenta reconciliada com a geografia. E o Conselho da Europa será, por certo, das poucas instâncias onde esse debate se pode fazer com inteira propriedade e cabimento. Impõe-se, assim, estarmos atentos às conclusões que sairão desta Cimeira do Conselho da Europa para percebermos até que ponto a mesma poderá marcar uma viragem nas relações intra-europeias.

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publicado por Joao Pedro Dias às 02:52