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O enigma polaco

Terça-feira, 11.09.07

Artigo de opinião publicado na edição de hoje do semanário O Diabo:

«Depois da pausa estival, a que nem as instituições europeias escaparam, regressaram os trabalhos da presidência portuguesa da União Europeia –e o signo polaco, o estigma de Varsóvia, encarregou-se de servir de pano de fundo a esses mesmos trabalhos. O Conselho informal dos Assuntos Gerais que reuniu os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 e que decorreu no final da semana transacta em Viana do Castelo, previamente marcado para receber os candidatos à adesão – Croácia, Turquia e Sérvia – mas, sobretudo, com a finalidade de acertar politicamente o que seria suposto já estar tecnicamente acordado em matéria de redacção do futuro Tratado Reformador, acabou por ver as suas ambições iniciais substancialmente dependentes da evolução política que venha a ser registada na Polónia, onde as próximas eleições legislativas vão coincidir, rigorosamente, com o final do prazo previsto para a conclusão das negociações sobre o referido Tratado. O que vale por dizer que a questão europeia se volverá, fatalmente, em tema central de campanha política eleitoral – o que não costuma ser prenúncio nem de bons resultados nem de boas conclusões. O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, seguramente que a contra-gosto, lá acabou por ter de reconhecer as possíveis influências da evolução política interna de Varsóvia na calendarização prevista para as negociações europeias em curso. Fê-lo a contra-gosto e, seguramente, com acrescidos motivos de preocupação. Os sinais recentes de uma certa radicalização da postura polaca face a essas mesmas negociações não são apenas uma possibilidade retórica, antes um dado real que a prudência aconselha a que seja devidamente levada em consideração. Se dúvidas houvesse sobre essa matéria, de resto, bastaria atentar no que aconteceu no início da passada semana quando, em Bruxelas, a delegação polaca opôs o seu veto a uma Declaração da União Europeia condenando a pena de morte. Contra a opinião de todos os demais 26 Estados membros da União, a Polónia manteve-se intransigente e impediu que a União Europeia adoptasse uma Declaração política da maior importância nos tempos que correm – inviabilizando uma das principais medidas, simbólica decerto, que a presidência portuguesa havia agendado para marcar o seu exercício.

Como já tive oportunidade de referir recentemente, é nestes momentos que se me firma mais a convicção do quão mal preparado, precipitado e, eventualmente, errado terá sido o último mega alargamento da União Europeia. Ao mesmo tempo que se solidifica a certeza, cada vez mais sólida, de que quanto maior for o número de Estados membros que integrem a União, menores serão os laços políticos susceptíveis de serem estabelecidos entre os mesmos, mais reduzidas serão as hipóteses de serem estruturadas e executadas políticas comuns naqueles domínios onde as soberanias clássicas já demonstraram a sua incapacidade de actuação, mais dependentes estaremos de mínimos denominadores comuns capazes de concitarem o apoio de posturas cada vez mais diversificadas e divergentes. Qual o mal? – perguntarão alguns. Para muitos, os soberanistas clássicos e nostálgicos, nenhum. Para os que ousaram sonhar com uma «outra» União Europeia, na esteira do percurso dos pais fundadores e dos ensinamentos legados pela primeira geração de europeístas, resta a convicção de que «esta» União Europeia é, cada vez menos, a União Europeia da utopia transformada em realidade, do sonho concretizado e construído, vivido e experienciado. Mas como não consta que, também aqueles, estejam confortáveis ou satisfeitos com o rumo tomado pela União, corre esta o sério risco de, também neste domínio, encarnar uma construção política inovadora – mas inovadora pelo facto de, não agradando nem a gregos nem a troianos, se ver desprovida de qualquer apoio popular, de qualquer sentimento de lealdade ou noção de pertença cívica, pouco mais lhe restando do que o apoio de uma eurocracia burocrática pouco ou nada legitimada do ponto de vista democrático. Em suma, uma União Europeia que, por tão diferente querer ser, se arrisca a não ser nada e a não concitar qualquer forma de suporte ou apoio junto dos cidadãos a quem, inclusivamente, chegou a oferecer uma cidadania própria. Esse é o risco dos nossos dias. A recente postura do governo de Varsóvia, qual verdadeiro enigma polaco, mostra à saciedade que já faltou mais para o risco se transformar, deixar de ser potencial e passar a ser real…»

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publicado por Joao Pedro Dias às 14:39

Polónia bloqueia Declaração Europeia contra a pena de morte

Quinta-feira, 06.09.07

«A Polónia bloqueou hoje em Bruxelas a aprovação pelos 27 de uma declaração europeia contra a pena de morte, pondo em causa uma das iniciativas mais simbólicas da presidência portuguesa da União Europeia. Um porta-voz da presidência portuguesa recusou comentar a decisão de Varsóvia, preferindo valorizar o facto de Lisboa ainda acreditar ser possível aprovar a declaração em causa depois de os embaixadores, em Bruxelas, dos 27 consultarem as respectivas capitais. O assunto deverá voltar a ser discutido pelos ministros da Justiça dos 27 numa reunião em Bruxelas a 17 de Setembro. A Polónia mostrou a sua oposição numa reunião dos representantes permanentes (embaixadores) dos Estados-membros e insistiu que a União Europeia deve abrir antes um debate mais amplo sobre o direito à vida que incluiria o aborto e a eutanásia. Portugal, o primeiro país europeu a abolir a pena de morte há 140 anos, em colaboração com a Itália, elaborou uma resolução contra a pena de morte que os 27 e o Conselho da Europa pretendiam apresentar à assembleia-geral das Nações Unidas em Setembro. O texto inclui a instauração do dia europeu contra a pena de morte, todos os anos a 10 de Outubro, coincidindo com o mesmo dia mundial já celebrado por diversas organizações não governamentais de todo o mundo. A presidência portuguesa está a organizar com a Comissão Europeia uma «Conferência para a Instituição do Dia Europeu contra a pena de morte» para se realizar em Lisboa a 09 de Outubro próximo. Uma Declaração Conjunta seria assinada por instituições da União Europeia e do Conselho da Europa. » [Fonte].

É quando leio notícias como aquela que acaba de ser transcrita que se me firma mais a convicção do quão mal preparado, precipitado e, eventualmente, errado terá sido o último (mega) alargamento da União Europeia. Ao mesmo tempo que se solidifica a certeza, cada vez mais sólida, de que quanto maior for o número de Estados membros que integrem a União, menores serão os laços políticos susceptíveis de serem estabelecidos entre os mesmos, mais reduzidas serão as hipóteses de serem estruturadas e executadas políticas comuns naqueles domínios onde as soberanias clássicas já demonstraram a sua incapacidade de actuação, mais dependentes estaremos de mínimos denominadores comuns capazes de concitarem o apoio de posturas cada vez mais diversificadas e divergentes. Qual o mal? - perguntarão alguns. Para muitos, os soberanistas nostálgicos, nenhum. Para os que ousaram sonhar com uma «outra» União Europeia, na esteira do percurso dos pais fundadores e dos ensinamentos legados pela primeira geração de europeístas, resta a convicção de que «esta» União Europeia é, cada vez menos, a União Europeia da utopia transformada em realidade, do sonho concretizado e construído, vivido e experienciado. Mas como não consta que, também aqueles, estejam confortáveis ou satisfeitos com o rumo tomado pela União, corre esta o sério risco de, também neste domínio, encarnar uma construção política inovadora - mas inovadora pelo facto de, não agradando nem a gregos nem a troianos, se ver desprovida de qualquer apoio popular, de qualquer sentimento de lealdade ou noção de pertença cívica, pouco mais lhe restando do que o apoio de uma eurocracia burocrática pouco ou nada legitimada do ponto de vista democrático. Em suma, uma União Europeia que, por tão diferente querer ser, se arrisca a não ser nada e a não concitar qualquer forma de suporte ou apoio junto dos cidadãos a quem, inclusivamente, chegou a oferecer uma cidadania própria. Esse é o risco dos nossos dias. Já faltou mais para o risco se transformar, deixar de ser potencial e passar a ser real....

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publicado por Joao Pedro Dias às 14:43

No rescaldo das férias e do mês de Agosto....

Terça-feira, 04.09.07

Terminou o mês de Agosto e terminaram oficialmente as férias. Não foram, porém, dias de ausência de factos ou de notícias. Ao correr da pena e deixando a memória funcionar, alguns factos merecem um apontamento, ainda que breve:

  1. A Grécia ardeu e conheceu uma das mais trágicas tragédias dos tempos contemporâneos. A segurança nacional é, cada vez mais, um conceito mais abrangente e transversal que conhece novos contornos e obriga a redobradas atenções. E quanto maiores são as ameaças mais evidente resulta que face aos novos perigos que estão ao dobrar de cada esquina ameaçando as antigas soberanias, as posições autárcicas e isolacionistas fazem cada vez menos sentido. Os desafios novos com que as antigas soberanias se defrontam e se debatem só podem ser combatidos com reforçados esquemas de cooperação e colaboração internacional. A Grécia, este Verão, deu-nos mais um exemplo de como as soberanias isoladas são incapazes de defrontar os perigos e as ameaças cada vez mais transnacionais.
  2. A Europa, em Agosto, ficou mais pobre em termos das suas memórias e das suas vozes que eram ouvidas e escutadas. Cada um à sua maneira, Gasthon Thorn e Raymon Barre foram europeus de excelência e de eleição. Sem eles a Europa da União não seria hoje aquilo que é. Não interessa averiguar se seria melhor ou pior - certamente seria diferente. E esse é o traço distintivo de personalidade deixado pelas figuras de eleição que conseguem moldar e deixar a sua marca no seu tempo e no seu mundo.
  3. A Polónia volta a ameaçar trocar as voltas à presidência portuguesa da União. Desta feita é a convocação de eleições legislativas que ameaça a celeridade que Portugal quer incutir ao processo de elaboração do novo Tratado Reformador. Se não houver mudança significativa no panorama político-partidário de Varsóvia não será despropositado pensar que os governantes polacos poderão encontrar nesse reforço da sua legitimidade um argumento suplementar para tentarem reabrir dossiers já dados por encerrados e serem tentados a reabrir discussões a que (quase) ninguém (a começar pela Presidência) parece querer voltar.
  4. Cavaco Silva regressou às instituições europeias e discursou hoje perante o Parlamento Europeu. A mensagem é mais própria de um líder de executivo do que de um Chefe de Estado sem funções governativos. Como se admite que a mesma tenha sido concertada com o chefe de governo, foi uma importante caução de credibilidade que o Presidente da República deu ao seu Primeiro-Ministro. Em tempo de vetos políticos internos, nada melhor do que a sintonia em matéria europeia para acalmar ânimos mais exasperados.

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publicado por Joao Pedro Dias às 15:12