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Recordando João Paulo II

Sábado, 30.04.11

Beatificado amanhã por Bento XVI, a comunidade católica prepara-se para elevar Sua Santidade o Papa João Paulo II aos seus altares, para gáudio e alegria da generalidade dos seus fiéis. A verdadeira dimensão do vasto pontificado do Papa-operário está ainda por revelar em toda a sua amplitude. Só a distância histórica, que apenas o decurso do tempo proporcionará, nos irá revelar essa mesma dimensão. Uma certeza, porém, é já adquirida e certa - a actuação do Padre Wojtyla enquanto Bispo de Roma e pastor universal da Igreja esteve muito para lá da esfera pastoral e religiosa. João Paulo II foi uma das figuras de referência do seu e nosso tempo e a sua intervenção em muitos dos acontecimentos temporais do último quartel do século passado e dos primeiros anos deste foi verdadeiramente determinante.


A propósito desta beatificação, retornei a um texto académico escrito há uns anos onde, reflectindo sobre algumas das figuras maiores do nosso europeísmo e do projecto europeu, escrevi o que agora aqui partilho.

«Quando em 16 de Outubro de 1978 o mundo cristão se aperce­beu que saía fumo branco da Ca­pela Sistina do Vati­cano, anunci­ando, urbi et orbi, a eleição de um novo Papa — de um Papa eslavo e, sobretudo, de um Papa polaco — para suces­sor de Pedro, nin­guém so­nhou estar a pre­sen­ciar o primeiro passo no sentido de ser ultra­passado o condi­cio­na­lismo bi­polar e a artificial di­visão da Eu­ro­pa em dois blocos emer­gente do mundo da guerra–fria no pós–se­gunda guerra mundial. O certo é que a imagem serena e tutelar, provi­dencial­mente inspiradora, do novo Pontí­fice e a sua permanente dou­tri­nação em prol da cons­tru­ção da paz na Eu­ropa e no Mundo viriam a as­sumir–se como ver­da­dei­ra­mente determi­nan­tes em to­dos os acontecimentos que se su­cede­ram na Eu­ropa Central e de Leste no último ano da dé­cada de oi­tenta e nos primeiros anos da dé­cada de no­venta. A Cristandade pas­sava a dis­por de um Pastor que, pela sua vida, era ele próprio exemplo con­creto de luta contra a opressão e a sub­missão. Contra o totalitarismo e a tira­nia. Mesmo as­sim, quando a 17 de Agosto de 1980 os operários pola­cos em greve nos es­ta­leiros de Gdansk colo­cavam lado–a–lado, em lugar de destaque, presidindo às suas mani­festa­ções e às cerimónias reli­gio­sas que celebravam e pre­sos às grades dos portões des­ses mesmos es­talei­ros, a imagem da Virgem Negra de Czesto­chowa, a ban­deira do “Soli­darnosc” e a fotogra­fia de João Paulo II, pou­cos ou ne­nhuns se aper­cebe­ram que era o Muro de Berlim que aba­nava e que era a sua pri­mei­ra pe­dra que era derru­bada. E, no en­tanto, era o mundo so­cia­lista e a mai­o­ria dos seus funda­men­tos que estavam a ser postos em causa — no cora­ção da Eu­ropa. E nos seus mais pro­fun­dos alicerces. Im­po­tentes, sur­pre­endidos, atóni­tos, o Estado que opri­mia, o Partido que li­dera­va e a No­menkla­tura que gover­nava viam operários em luta subs­tituírem a en­to­a­ção d’A In­terna­cio­nal pelo cântico do «Chris­tus vincit...». Iniciava–se um proces­so lento e mo­roso. Mas ine­lutá­vel — porque irrever­sível. Um processo que teve os seus heróis. En­car­rega­dos de honrar a me­mó­ria dos seus mártires — à cabeça dos quais apare­cerá a figura do jo­vem padre Jerzy Po­pieliu­zko, sa­cer­dote católico próximo do "Soli­darnosc", rap­tado a 19 de Outubro de 1984 tendo o seu cadá­ver sido en­contrado a 30 de Ou­tubro com marcas e si­nais de tortura abomi­ná­vel.


A Europa, pela primeira vez desde a segunda guerra mundial, pre­sen­ciava uma ver­da­deira re­volução ope­rá­ria. Com a particu­laridade de retirar a sua enorme força dos ser­mões pontifi­cais — e da própria comunhão matinal. E tão profunda nos seus anseios e tão forte nas suas ambições que não se limi­ta­ria ao territó­rio po­laco. Lenta e gra­du­almen­te era a Pala­vra que era es­palhada e divul­gada; era a Mensagem que era lida e trans­mitida — e que poder algum, so­bre­tudo porque er­rático, pôde tra­var — em Berlim, em Praga, em Só­fia, em Bu­dapeste, em Bucareste, em Vil­nius, em Tal­lin, em Riga, em Mos­covo... Um a um, em es­cas­sos meses, os re­gimes políti­cos do velho Leste Europeu ce­deram de forma completa e ca­pitu­laram de forma to­tal ante a ânsia de li­berdade de po­vos mu­dos de­se­jo­sos de faze­rem ouvir a sua voz e de fazerem es­cutar os seus an­seios. Isso mesmo o Papa–mineiro assumiu logo no início do seu pontificado. Escassos dias após as­sumir a cadeira de Pe­dro, quando visitava Assis, a ci­dade de S. Francisco, um dos San­tos patro­nos de Itália, al­guém supli­cava ao pon­tí­fice que não esquecesse a Igreja do Silêncio. A resposta pronta do Bispo de Roma — “já não é a Igreja do Silêncio porque fala através da minha voz” — mais do que tran­quilizar quem o inter­pelava vol­veu–se numa constante refe­rência do seu pontifi­cado.


Não existe melhor demonstração da atitude do magistério da Igreja católica sob o pon­tifi­cado de João Paulo II do que o seu re­conhecimento simbólico, a 31 de De­zembro de 1980, de S. Cirilo e S. Método, ao mesmo tempo que S. Benoît, como santos patro­nos da Europa. Para João Paulo II não pode existir casa eu­ropeia sem as nações e culturas da Eu­ropa central e oriental. A sua pers­pec­tiva paneuropeia, a sua Europa «do Atlântico aos Urais», deve ser encarada como uma garantia contra to­das as tentativas de construir uma Eu­ropa oci­dental que excluísse as na­ções esla­vas[1].


Por outro lado, em vários dos seus discursos, a visão de João Paulo II vai mais além e mais longe do que a op­ção pela constru­ção de uma união política. Para o Papa, o mais im­portante é o que Ja­cques Delors chama de «alma da Eu­ropa». Pela sua insistência sobre os fundamentos espiri­tuais e éticos, João Paulo II confirma a preocupação já ex­pressa por Pio XII na sua mensa­gem aos pro­fesso­res e alunos do Colégio de Bruges, em 15 de Março de 1953: «para uma co­o­pe­ração entre os vários países, apenas os valores espirituais repre­sen­tam uma garantia eficaz». Da mesma forma João Paulo II vê mais longe e mais além que os interesses políti­cos e econó­micos, na consideração pela funda­mental he­rança cultu­ral e religiosa da Europa. Se a Eu­ropa se pre­tende tornar em algo mais do que uma ideia abs­tracta ou uma ideologia, deve cultivar uma memó­ria co­lectiva [Gerwen e Sweeney, 1997: 223].


Por isso João Paulo II — pro­clamando o Verbo em Puebla, ex­cla­mando em Roma que «Foi Deus que ven­ceu a Leste!», exor­tando em Santi­ago os Ho­mens a se­rem Ho­mens e os Jovens a serem Jo­vens, ad­vo­gando a Casa Co­mum Europeia em Es­trasbur­go, enun­cian­do a men­sagem da Paz em As­sis[2], in­citando ao respei­to pe­las Nações em Nova Ior­que ou con­denando o capita­lismo sel­vagem com a mesma vee­mência com que cen­su­rava o mar­xismo em plena Praça da Revolu­ção de Havana e ante um Fidel Castro per­plexo — se­gu­ra­mente que faz parte da lista e integra o rol dos pro­jectistas da paz [Moreira, 1995: 14]. Das vo­zes que se ou­vem e da palavra que se faz es­cu­tar é, no nosso tempo, o protó­tipo e o mode­lo. Sem com­plexos e sem medos; apontando o dedo acu­sador para os erros passa­dos da pró­pria Igreja — as Cru­zadas, o tráfico de escravos, o caso Gali­leu, os agra­vos infli­gidos aos não católi­cos, os ódios do pas­sado, a divi­são entre cris­tãos, os erros perante os Hebreus, os con­luios com a Máfia, a marginali­zação da mu­lher [João Paulo II, 1995]; alertando os eu­ropeus, sobretudo dos Esta­dos da antiga Eu­ropa sovié­tica, no de­curso da visita de despedida à sua Polónia amada, para os pe­ri­gos do capita­lismo desenfreado e da es­cravidão do mercado — tão des­respeitado­res da dignidade humana como a ti­rania de todos os poderes erráticos; mas par­tilhando igual­men­te, em sinal de es­pe­rança, o de­se­jo de que nin­guém se subtraia à tarefa de construir uma Eu­ropa fiel à sua no­bre e fe­cunda tradição civil e espi­ritual. Re­conhe­cendo, de­certo, as inúmeras vezes em que a Europa, no passado, teve de en­fren­tar períodos difíceis de transformação e de crise; mas reco­nhecendo, igualmente, que sempre os su­pe­rou ex­traindo uma nova linfa das ines­gotáveis re­servas de ener­gia vital do Evangelho [João Paulo II, 1995].


Atento às questões do seu tempo, o pontífice não se cansa de meditar e de re­flectir sobre a questão europeia e o papel reservado à Igreja na Europa alargada que se perspectiva [João Paulo II, 2003]. E, na antecâmara da assinatura de um tratado constitucional, é a sua voz débil que se escuta instando os Estados membros, que se aprestam a reunir em conferência intergovernamental, para que o mesmo tratado não esqueça uma referência ao património cristão europeu, fundador da identidade eu­ro­peia — «de­sejo uma vez mais dirigir-me aos redacto­res do futuro tratado constitucio­nal euro­peu, para que seja inserida nele uma refe­rência ao pa­trimónio religioso, espe­cial­mente cristão, da Europa». E, na mesma reflexão, pronunciando-se sobre as difer­en­tes organizações europeias, não deixou o Bispo de Roma de deixar a sua pertinente observação: «No caminho que leva a desenhar o novo rosto da Europa, é determi­nante sob muitos aspectos o papel das instituições internacionais, ligadas e operantes sobre­tudo no territó­rio da Europa, cuja contribui­ção tem marcado o curso histórico dos acontecimentos, sem se empenharem em operações de carácter militar. A tal propó­sito, desejo mencionar, em primeiro lugar, a Organização para a Segurança e a Coope­ração na Europa, empenhada na manuten­ção da paz e da estabilidade, nomea­da­mente através da defesa e promoção dos direitos humanos e das liberdades funda­mentais, e também na cooperação econó­mica e ambiental. Temos depois o Conselho da Europa, do qual fazem parte os Estados que subscre­veram a Convenção Europeia de 1950 para a salvaguarda dos direitos humanos fun­damentais e a Carta Social de 1961. Anexo a ele, existe o Tribunal Europeu dos direi­tos do homem. Estas duas in­s­tituições, através da cooperação política, social, jurí­dica e cultural, e ainda da pro­mo­ção dos di­reitos humanos e da democracia, visam a realização da Europa da li­ber­dade e da so­lidariedade. Por último, aparece a União Europeia, com o seu Parla­mento, o Con­selho de Ministros e a Comissão, que pro­põe um modelo de integração que se vai aperfeiçoando tendo em vista adoptar um dia uma carta fundamental comum. A fi­na­li­dade de tal organismo é realizar uma maior unidade política, económica, monetá­ria entre os Estados-membros, quer os ac­tuais quer os que virão a fazer parte dele. Na sua diversidade e a partir da identidade específica de cada uma, as referidas insti­tuições pro­movem a unidade do continente e, mais profundamente, estão ao serviço do homem».


No seu tempo, que foi o do fim de um milénio e advento de um novo, a voz de João Paulo II conta-se entre as que honram e engrandecem a galeria dos notáveis projectistas da paz.»


 

 

[1] Sobre a posição histórica da Igrja católica face ao processo de unidade europeia, veja-se da Aba­dia de Monges de Saint-Pierre de Solesmes, L’Europe unie dans l’enseignement des Papes. Paris. 1981. 

[2] Sobre a Mensagem de Assis, Adriano Moreira [1994b].

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publicado por Joao Pedro Dias às 19:56

Alemanha apoia reforma de Schengen

Quarta-feira, 27.04.11

A Alemanha juntou-se à França e Itália na ideia de reformar o tratado de Schengen, que estabelece a livre circulação de pessoas e bens no espaço europeu, de modo a dotá-lo de "novas cláusulas que permitam adaptá-lo a novas exigências". Como pano de fundo está a imigração em massa de tunisinos desde que o regime ditatorial foi derrubado. O apoio foi expresso por Hans-Peter Friedrich, ministro do Interior alemão, escreve o El Mundo. Um porta-voz do ministério admitiu ao jornal Frankfurter Allgemeine que, em casos extremos, as fronteiras do interior do espaço Schengen podem ser susceptíveis de reposição dos postos de controlos, de modo a que certas práticas excepcionais sejam simplificadas e rotineiras. Não é este, assumidamente, o caminho que a União deve trilhar - a política de imigração deve ter uma clara componente europeia que lhe é recusada por estas exigências nacionais que começam a emergir no espaço europeu.

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publicado por Joao Pedro Dias às 22:13

Sobre o voto finlandês no Fundo Europeu de Estabilização Financeira

Terça-feira, 26.04.11

Em declarações hoje prestadas à televisão pública finlandesa, o comissário europeu Olli Rehn veio afirmar que «se queremos evitar a falência de Portugal, precisamos de uma decisão unânime que garante que o fundo de resgate europeu pode ser utilizado para salvar Portugal», acrescentando que «unanimidade significa a participação da Finlândia» no referido auxílio. Esta afirmação causou alguma perplexidade e recomenda voltarmos a um texto aqui colocado há não muito tempo onde tentámos evidenciar o quão complexo é o mecanismo de assistência externa financeira que neste momento «negoceia» com Portugal.


Esse mecanismo, recorde-se, assenta em 3 pilares.


O primeiro, o Mecanismo Europeu de Estabilização, de 60MM€, a cargo do orçamento da União Europeia, cujo accionamento aparece regulamentado no Regulamento (UE) 407/2010 do Conselho, aprovado a 11 de Maio de 2010, e que, nos termos do artigo 3 nº 2 estabelece que  «o apoio financeiro da União deve ser concedido mediante uma decisão adoptada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão»O segundo, o Fundo Monetário Internacional, de 250MM€ que observa e respeita as regras de atribuição próprias do Fundo. O terceiro, o mais complexo de todos, o chamado Fundo Europeu de Estabilização Financeira, no valor de 440MM€, que conhece algumas particularidades. Desde logo, é um veículo financeiro com sede no Luxemburgo, criado segundo um modelo intergovernamental. Isto significa que se encontra fora do quadro institucional da União Europeia e que  as decisões e deliberações tomadas no âmbito do mesmo devam sê-lo, sempre, por unanimidade e no respeito pelas normas e princípios constitucionais internos de cada Estado que o integra. Por outro lado, é preciso recordar que este Fundo não abrange todos os Estados-Membros da UE mas apenas os 17 que partilham o euro como moeda comum. E a responsabilidade de cada um desses Estados no citado Fundo é proporcional ao capital que subscreveram e realizaram no Banco Central Europeu.


A questão que o comissário Olli Rehn veio agora colocar prende-se com a forma de funcionamento do próprio Fundo. Sobre esta matéria pode-se recordar que, criado num quadro intergovernamental, as suas regras seguem os princípios clássicos e tradicionais da diplomacia pura, não se encontrando esses princípios estabelecidos e fixados num documento fechado como acontece com o Mecanismo Europeu de Estabilização que tem as suas regras definidas no Regulamento atrás citado. Por outro lado, prova evidente não só da complexidade como da originalidade que estas questões suscitam, ainda há apenas uma semana uma porta-voz da Comissão Europeia recordou que, na eventualidade de a Finlândia recusar participar no apoio financeiroa Portugal, estaria criado um problema novo, original, para o qual teria de ser encontrada uma solução política também nova e original.


Salvo outra e melhor opinião, a questão agora levantada pelo comissário Olli Rehn envolve dois aspectos distintos: um é o da deliberação sobre a atribuição de auxílio externo; outro é o da participação nesse mesmo auxílio externo. Relativamente ao primeiro, a situação parece absolutamente evidente – o Fundo Europeu só atribui auxílios financeiros se todos os Estados-Membros que o integram concordarem na sua atribuição. Para esta atribuição de auxílio financeiro, exige-se unanimidade entre todos os Estados-Membros do Fundo (no limite, requerer-se-á que nenhum desses Estados se oponha, aceitando-se as abstenções como viabilizadoras). Relativamente ao segundo aspecto, a situação é diferente. Decidida a viabilização de um auxílio financeiro por parte do Fundo a um Estado europeu, poderão alguns Estados-Membros do mesmo recusar-se a participar nesse auxílio. E, a assim acontecer, a quota-parte do Estado que se recusar a participar em tal auxílio será distribuída proporcionalmente pelos restantes Estados-Membros do Fundo que aceitem participar no referido auxílio. Esta situação, de resto, já ocorreu no caso do auxílio europeu à Grécia. Como aqui demos conta, em Agosto último, em visita a Berlim para uma cimeira com a chanceler Ângela Merkel, a Primeira-Ministra eslovaca Iveta Radicova exigiu que a Comissão Europeia apresentasse desculpas por ter criticado a decisão do Parlamento de Bratislava de não participar na ajuda financeira à Grécia, que teria o valor de 816M€, uma vez que a Eslováquia não pretendia apoiar gente que actua de forma irresponsável. Ora, a Eslováquia votou a favor do auxílio financeiro à Grécia – e esse voto foi determinante para o apoio se concretizar – mas, chegado o momento de concretizar esse apoio, recusou-se a contribuir financeiramente para o mesmo. Tendo isto acontecido com a Eslováquia relativamente à Grécia, não se percebe por que razão o procedimento deveria ser diferente no caso vertente.


Assim, insistimos – salvo outra e melhor opinião e sabendo sempre que estamos num plano novo onde não existe um histórico suficientemente firmado – cremos que o voto finlandês é absolutamente necessário para o Fundo Europeu de Estabilização Financeira aprovar a ajuda financeiraa Portugal; aprovada essa ajuda, nada obrigará a que a Finlândia (ou qualquer outro dos 16 restantes Estados-Membros do FEEF) no mesmo venha a participar. Sendo certo que, quanto maior for o número de Estados que recusem participar nesse auxílio financeiro, maior será a quota-parte daqueles que nele venham a participar.


Esta é, salvo melhor opinião, a leitura que fazemos do mecanismo de funcionamento e actuação do Fundo Europeu.


Sobre as declarações supra citadas do comissário Rehn – também ele finlandês, assinale-se a coincidência – remetemo-las para o domínio do puramente político e da necessidade de pressionar o governo e o parlamento de Helsínquia a tomarem com urgência uma decisão favorável à atribuição do referido auxílio. Até porque, só essa, é a interpretação que se coaduna e compagina com declarações também hoje veiculadas por porta-voz da Comissão Europeia segundo as quais é absolutamente urgente e necessário que as negociações em curso entrePortugal ea troika se concluam o mais rapidamente possível, por forma a que o auxílio financeiro em negociação se possa concretizar no mais breve prazo possível.


Nas declarações prestadas à TSF – e que aqui podem ser escutadas – foram estes os tópicos que pretendi evidenciar.

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:46

A UE e a crise humanitária no Magrebe

Sexta-feira, 22.04.11

Em nova crise política e humanitária, no Magrebe, a UE volta a estar ausente. A França reage segundo os seus interesses próprios suspendendo (irregularmente) a sua participação espaço Schengen. Numa UE a funcionar isto não aconteceria, pois já haveria uma política comum implementada, como mandam os Tratados. Fica uma síntese das declarações que prestei à TSF sobre a matéria e que podem ser escutadas aqui.

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:31

Generalidades

Terça-feira, 19.04.11

«A Europa é feita de Estados com muitos séculos que, precisamente pela sua História multissecular, conquistaram uma dignidade que não pode ser posta em causa. Se tal acontecer, não serão apenas alguns Estados que ficarão a perder. Será todo o projecto de uma Europa unida que sofrerá um sério revés. Não podemos deixar que uma crise económica e financeira abale com tamanha profundidade os alicerces de um edifício para o qual todos temos dado o nosso contributo. A Europa deve ser um ideal mais vasto e grandioso do que um projecto meramente mercantil. A Europa unida é um projecto de cidadãos iguais, liderados por dirigentes que têm de possuir uma visão estratégica de futuro e devem estar à altura das suas responsabilidades comuns».

«Os tempos actuais constituem um sério desafio para a credibilidade do projecto de uma Europa unida, tal como foi sonhada e concebida pelos seus fundadores, há várias décadas. Se a integração europeia for dominada pelos egoísmos nacionais, o projecto de uma União afasta-se do sonho dos seus fundadores e de grandes europeístas que se lhes seguiram, pois, verdadeiramente, não será de uma autêntica União de que falamos, mas de uma simples conjugação episódica de interesses de cada um dos Estados-membros» - quem escreveu isto, hoje, foi Aníbal Cavaco Silva, na sua página do Facebook (!). Apesar de se tratar de uma generalidade, a que alguns chamarão banalidade, eu, por acaso, até estou de acordo com ele.

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publicado por Joao Pedro Dias às 22:36

Parlamento húngaro aprova Constituição controversa

Segunda-feira, 18.04.11

"Deverá entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2012, mas já está envolta em polémica. O Parlamento húngaro aprovou esta segunda-feira, com uma folgada maioria, a nova Constituição, projeto do primeiro-ministro ultraconservador Viktor Orban. O documento contou com chumbo da oposição, mas os votos do Fidesz, formação do chefe de Governo, foram fundamentais para o sucesso da proposta. Os socialistas e os ecologistas não participaram na votação e a extrema-direita manifestou-se contra. De acordo com os críticos, o texto, batizado pelos media como “Constituição Orban”, é um atentado às liberdades individuais e uma forma de o primeiro-ministro reforçar o poder pessoal e do partido que dirige. A questão dos passaportes para a minoria húngara residente em países vizinhos como a Roménia, Sérvia ou Áustria, as referências a Deus, à pátria, ao orgulho nacional, à cristandade ou à família tradicional provocaram a ira de vários setores da sociedade civil, que falam em discriminação. Motivo que tem levado milhares de pessoas para as ruas, em protesto. O cenário promete manter-se nos próximos dias. O primeiro-ministro disse estar disposto a debater a proposta de Constituição, criticada pela Comissão de Veneza, órgão consultivo da União Europeia em matéria de direito Constitucional". [Fonte]

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publicado por Joao Pedro Dias às 22:20

Sinal dos tempos

Segunda-feira, 18.04.11

Passaram hoje 60 anos sobre a assinatura do Tratado de Paris que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a primeira Comunidade Europeia, antecessora da actual União Europeia. Entre nós parece que ninguém reparou no facto. Sinal dos tempos.

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publicado por Joao Pedro Dias às 17:48

Como funciona o auxílio financeiro europeu?

Quinta-feira, 14.04.11

A propósito de notícias hoje divulgadas, segundo as quais o Parlamento finlandês que vier a sair das eleições legislativas do próximo domingo, poderá vir a votar contra o apoio financeiro europeu a Portugal, levantou-se a questão de saber se tal eventual recusa impediria a existência do próprio apoio financeiro. Impõe-se, assim, recordar como funciona e quais as regras a que se submete tal apoio financeiro.


Como se sabe, com significativo atraso relativamente ao que a realidade impunha e aconselhava – atraso geralmente imputado aos interesses políticos domésticos da Sra Merkel, que tinha importantes eleições regionais na Renânia-Vestefália – em Maio de 2010 a União decidiu, finalmente, apoiar financeiramente a Grécia à beira da bancarrota.


A decisão foi formalmente tomada na reunião do Conselho (de Ministros) dos Assuntos Económicos e Financeiros (ECOFIN) que decorreu nos dias 9 e 10 de Maio de 2010, conforme o seu comunicado oficial.


Nesta reunião do ECOFIN foi decidida a criação de um Mecanismo Europeu de Estabilização com base numa leitura muito ampla e abrangente do artigo 122 nº 2 do TUE. Este Mecanismo Europeu de Estabilização foi dotado de uma verba de 60 MM€, suportada pelo orçamento da União Europeia.


O Regulamento (UE) 407/2010 do Conselho, aprovado a 11 de Maio de 2010, veio regular e disciplinar o funcionamento do referido Mecanismo Europeu de Estabilização.


Nos termos do artigo 3 nº 2 do referido Regulamento, «o apoio financeiro da União deve ser concedido mediante uma decisão adoptada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão». Isto significa, na actualidade, que a maioria qualificada é alcançada se se reunirem 255 dos 345 votos do Conselho os quais devem ser provenientes de, pelo menos, 14 Estados (o Tratado de Lisboa veio simplificar a obtenção destas maiorias qualificadas no Conselho; nos termos do Tratado de Lisboa, a partir de 1 de Novembro de 2014 essa maioria qualificada é atingida se reunir, pelo menos, 55% dos Estados-Membros que representem, no mínimo, 65% da população da UE. Caso o Conselho não delibere sobre uma proposta da Comissão, a maioria qualificada deverá atingir, pelo menos, 72% dos Estados-Membros que representem, no mínimo, 65% da população) (para mais desenvolvimentos sobre as maiorias qualificadas no Conselho, veja-se aqui).


Por outro lado, nos termos no nº3 do mesmo artigo 3 do referido Regulamento, a decisão de conceder um empréstimo através deste Mecanismo deve conter «a) O montante, a duração média, a fórmula de cálculo do preço, o número máximo de prestações, o período de disponibilidade do apoio financeiro da União e restantes regras necessárias para a execução do apoio; b) As condições gerais de política económica em que assenta o apoio financeiro da União com o objectivo de restabelecer no Estado-Membro em causa uma situação económica ou financeira sã e restaurar a sua capacidade de se financiar nos mercados financeiros; estas condições são definidas pela Comissão, em processo de consulta com o BCE; e c) A aprovação do programa de ajustamento elaborado pelo Estado-Membro beneficiário para cumprir as condições económicas em que assenta o apoio financeiro da União».


Os apoios financeiros concedidos ao abrigo deste dispositivo podem assumir a forma de um empréstimo ou de uma linha de crédito concedido ao Estado-Membro em causa, ficando a Comissão habilitada a contrair, em nome da União Europeia, empréstimos nos mercados de capitais ou junto de instituições financeiras».


O montante deste Mecanismo, todavia, desde cedo se perspectivou escasso para as solicitações a que poderia ser sujeito.


Por isso, na mesma reunião do Conselho ECOFIN, em paralelo e complementando a criação deste Mecanismo Europeu de Estabilização, os Estados-Membros integrantes da zona euro (e só estes) decidiram criar, no plano intergovernamental – isto é, fora do quadro institucional comunitário – e apenas pelo período de três anos, um outro veículo financeiro, que viria a ser sediado no Luxemburgo – o Fundo Europeu de Estabilização Financeira – dotado do montante de 440 MM€, proveniente dos 17 Estados-Membros da eurozona na proporção da respectiva participação no capital do BCE. Estes 440 MM€, todavia, nunca poderão ser gastos na totalidade em empréstimos a Estados-Membros em dificuldades. Deverá ser sempre reservado um valor de 250MM€, por forma a que o referido Fundo possa dispor do rating AAA (o mais elevado concedido pelas agências de rating).


Este Fundo, como se referiu, foi criado fora do quadro institucional da UE, numa base puramente intergovernamental. O que significa que as decisões e deliberações tomadas no âmbito do mesmo devam sê-lo, sempre, por unanimidade e no respeito pelas normas e princípios constitucionais internos de cada Estado que o integra. Daí que, se por qualquer razão política interna, um Estado recusar participar num qualquer resgate aprovado pelo Fundo, não possa ser invocada a regra maioritária e, assim, «obrigado» o Estado em causa asubmeter-se à vontade da maioria (como acontece com a utilização do Mecanismo Europeu de Estabilização, cujo accionamento depende da vontade da maioria qualificada dos Estados-Membros da UE, conforme se referiu). Numa tal situação, recusando-se um Estado da zona euro, integrante do Fundo, a participar num resgate que seja decidido pelos restantes, ninguém o pode «obrigar» a participar no dito resgate – devendo a respectiva quota-parte de participação no mesmo ser repartida, acrescendo proporcionalmente, à quota-parte de cada um dos restantes Estados.


Por fim, foi ainda decidido na citada reunião do ECOFIN, de 9 e 10 de Maio de 2010, associar o FMI a estes instrumentos europeus então criados. O valor da participação do FMI ascende a 250MM€.


Ora, é somando estas três participações (60MM€ do Orçamento da UE através do Mecanismo Europeu de Estabilização, 440MM€ provenientes dos 17 Estados da zona euro e 250MM€ do FMI) que se alcança o valor de 750MM€, geralmente apontado (erradamente) como sendo aquele que a UE destinou ao resgate de Estados-Membros que o requeiram e necessitem.


Foram estas as regras - complexas - que se tentaram deixar patentes aqui, aos microfones da TSF, quando interpelados para avaliar as possíveis consequências de uma recusa finlandesa em participar no resgate financeiro de Portugal.

 

A verificar-se tal recusa, acreditamos que a mesma por si só não inviabiliza o apoio proveniente do FEEF. Poderá, no limite, fazer com que, politicamente, os restantes Estados-Membros da zona euro vejam a sua participação em tal auxílio aumentada na razão directa da recusa finlandesa em no mesmo participar. 

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:06

Delírios

Sexta-feira, 08.04.11

Fernando Teixeira dos Santos, Ministro de Estado e das Finanças do governo português lidrado por José Sócrates, PhD em Economia pela Universidade da Carolina do Sul, Estados Unidos, economista de formação e docente universitário antes de assumir funções governativas, arrisca-se a ficar na história do consttucionalismo português e europeu ao declarar hoje, em Budapeste, que as instâncias comunitárias responsáveis pela negociação do empréstimo a Portugal por parte do FEEF deverão negociar os consensos necessários com os Partidos portugueses da oposição, uma vez que o governo não está disposto a conversar, negociar e consensualizar o que quer que seja com essa mesma oposição! Teixeira dos Santos, o inefável Ministro, acaba de fazer doutrina sobre funções de governos em gestão e competências constitucionais dos mesmos e, no plano europeu, acaba de preconizar que os representantes da UE, da Comissão Europeia, do FMI e demais entidades europeias, quais homens da mala, deverão calcorrear as ruas de Lisboa, de porta-em-porta, em busca dos necessários consensos políticos que o governo que Sua Excelência integra se recusa em procurar e obter. Como se afigurava medianamente óbvio e evidente, o Comissário Oli Renh apressou-se em vir esclarecer que as instituições europeias não têm nada que negociar com a oposição partidária indígena. A União relaciona-se institucionalmente com Estados e a Comissão não pretende esquecer essa regra. Foram estas reflexões que, de forma sintética, deixei nas palavras que foram pedidas pela TSF e que podem ser escutadas aqui.

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:27

Realidade virtual

Terça-feira, 05.04.11

De quando em quando, à força de muita insistência e não menos persistência, criam-se realidades virtuais que, de tanto repetidas, parece tornarem-se realidades efectivas. Nos últimos dias tem-se ouvido, com inusitada frequência, a necessidade de Portugal recorrer a uma ajuda financeira intercalar a cargo do orçamento da União Europeia. Nunca escutei, porém, quem se preocupasse em fundamentar do ponto de vista jurídico uma tal possibilidade. E, analisando os textos dos Tratados em vigor, não consigo encontrar fundamento para tal eventual ajuda intercalar. A norma que mais se poderia aproximar de uma tal sustentação, o artigo 122/2 do TUE, é manifestamente inaplicável ao caso português porquanto se destina a prever situações de auxílio a Estados-Membros vítimas de catástrofes ou cataclismos naturais. Não é, como se percebe, a situação actual de Portugal cuja necessidade de ajuda financeira não deriva de qualquer situação natural mas sim de um desequilíbrio estrutural das suas contas públicas, geradora de défice orçamental e de dívida pública estruturais. Foi esta análise que, brevemente, tentei explicar aos microfones da TSF e que pode ser escutada aqui.

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publicado por Joao Pedro Dias às 23:44